Sem medo de morrer

Conversei com Amaury de Souza poucos dias antes da sua morte. Conversamos, sobretudo, sobre câncer, tema no qual sou veterano. Amaury enfrentava um dos cânceres mais agressivos que há, o do pâncreas. Influenciado pela minha história de convivência com um câncer de progressão mais lenta, que já completou 17 anos (desde o diagnóstico), resolveu que tentaria transformar o mal que o afligia numa doença crônica. Já tinha mudado a dieta, entrado num programa de exercícios. Iria consultar meus blogs sobre o câncer da próstata e ver o que poderia acrescentar ao seu tratamento e ao seu estilo de vida para transformar um câncer letalíssimo em uma doença crônica. Sua voz bonita e firme revelava seu caráter decidido. Poucos dias depois, li no e-mail notícia sobre a sua morte.

 

A estória de Amaury é a de um jovem brilhante e criativo, com mais do que uma ponta de cinismo, que viveu num período em que o mundo mudou. Parte de um privilegiado grupo de estudantes mineiros que transformaram a Ciência Política no Brasil, Amaury iniciou sua carreira combinando os estudos com o ativismo político. Foi, se bem me lembro, um dos fundadores da POLOP (Política Operária). Amaury não era imune às voltas e reviravoltas de um mundo que mudava aceleradamente.

Amaury era um ativista, sim, mas essencialmente era um acadêmico. Tive o prazer de ter Amaury como um dos alunos de um seminário que ofereci em MIT. Era um de três alunos mineiros que tiveram um impacto claro sobre a Ciência Política no Brasil.  Completando o trio, lá estavam Fabio Wanderley Reis e Antônio Octávio Cintra.

Também tive a satisfação de ver Amaury usar dados que eu coletara nas eleições de 1960 e demonstrar que a cor influenciava a preferencia partidária e a intenção de voto além do status socioeconômico e da classe social. A significação dessa demonstração só se aquilata quando se considera que o pensamento político brasileiro era dominado pela “escola paulista”, que reduzia a influência da raça à classe social. Pensar diferente era enfrentar a ira da esquerda intelectual brasileira. Amaury enfrentou.[i]

Títulos? Não faltam. Doutor em Ciência Política pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), foi professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e de diversas universidades norte-americanas. Foi, também, bolsista do Woodrow Wilson International Center for Scholars. Seus últimos livros foram recentes: A Agenda Internacional do Brasil: A Política Externa Brasileira de FHC a Lula, em 2009, e A Classe Média Brasileira: Ambições, Valores e Novos Projetos de Sociedade, em 2010, escrito com outro mineiro da “safra de ouro”, Bolívar Lamounier.

Como ressalta Margolis, “Amaury era politicamente incorreto, às vezes ao ponto de provocar arrepios.” Quando o Brasil político era conservador, ele era líder radical de esquerda; quando a direita militar já não estava no poder, e, ideologicamente, a academia brasileira voltava às décadas de 60 e 70, e, teoricamente, se dedicava ao pós-modernismo “de esquerda”, Amaury era um dissonante, um liberal de carteirinha, que apresentava dados e números para alicerçar suas ideias.

Dada a minha história pessoal, é importante ressaltar a coragem de Amaury frente a morte. Mac Margolis nos relata que, mesmo em etapa adiantada da doença, fazia questão de viver como sempre viveu: “nos encontramos na Urca no bar a poucos passos da sua casa. Magro e fragilizado pela doença, Amaury fazia questão de estar ali, tomar chope, falar de livros … comentar o julgamento do mensalão e decifrar os rumos da política brasileira.”

Quando muitos vegetam, amedrontados, esperando a morte, Amaury viveu intensamente e inteligentemente até o fim. Seu último artigo foi publicado dois dias antes da sua morte.

GLÁUCIO SOARES                IESP/UERJ   

 

 

A vida depois da escuridão


Publicada em 10/08/2011 às 19h04m no GLOBO

GLÁUCIO SOARES

Do balcão do 13º andar do Hyatt hotel, Elaine ouviu as vozes que diziam: “Vai! Pula! Não vai doer.” Elaine chegou a levantar o pé, mas ouviu outra voz, mais suave e doce: “Só vai ficar pior, muito pior, mas a decisão é sua.” Não pulou.

Dois dias mais tarde, Elaine, uma seguidora do irracional culto às armas nos Estados Unidos, estava, mais uma vez, cultivando a ideia do suicídio. Traduzindo do paper que ela própria escreveu (“A escuridão”): “Mais uma vez eu estava no mesmo estado de desespero. Fui ao closet e busquei a caixa com minha arma… Sentei no chão, com a arma numa mão e o carregador na outra. Na igreja falavam muito da presença de anjos protetores que se fazem sentir em situações de extrema necessidade. Essa presença é descrita como tranquilizadora e cheia de paz. Mas o que eu sentia sentada no chão com a arma na mão… era uma presença, muitas presenças, ao meu redor me apertando. Diziam: ‘Puxa o gatilho! Puxa o gatilho.’ Mas eu também ouvi outra voz que me dizia: ‘Todos os problemas têm solução, mas o que você pensa fazer não é uma solução. Não resolverá os problemas que você acha que tem e criará outros, muito piores. Você pode achar que é o fim da dor, mas não é. A dor e o desespero só vão aumentar. Se você deixar, eu ajudo você’.”

Elaine quase foi mais uma vítima cujo suicídio foi facilitado pela presença de uma arma em casa.

David Hemenway, da Harvard School of Public Health, demonstrou que a presença de armas em casa aumenta muito o risco de acidentes, homicídios e suicídios. Nos Estados Unidos, as pessoas se matam mais com armas de fogo do que com todos os demais meios somados. Elaine buscou ajuda das duas maneiras que ela conhecia: religiosa e psicológica. A psicológica foi dada por uma profissional, ainda que ligada à sua igreja. Para Elaine, religiosa, esse foi um embate clássico entre o Bem e o Mal; do ponto de vista das pesquisas sobre o suicídio, seguiu caminhos conhecidos, com história e explicação.

A história talvez tenha começado com o casamento dos pais, entre um homem forte, auto-centrado e dominante e uma mulher que é sua dependente em todos os sentidos. O pai mantinha a casa, e também era o pastor da igreja em que Elaine cresceu. Um workaholic, mais dedicado ao trabalho e à sua igreja do que à família. Elaine e a mãe eram coadjuvantes, figuras secundárias que viviam ao redor do macho Alfa. Problemas de saúde também contribuíram: devido a uma endometriose, Elaine fez uma histerectomia.

Sabia que não poderia ter filhos. Isso alterou a sua psicologia. Sua religiosidade e seu conservadorismo extremo (não podia usar shorts ou calças, ir ao cinema etc.) fizeram com que ela não soubesse lidar com homens, que buscasse um marido e casasse, virgem, seis meses depois de se conhecerem. O destino do casamento estava selado desde o início. Em pouco tempo as incompatibilidades cresceram. E veio o divórcio, que não reduziu o desejo de Elaine de construir uma família, nem de “ter” filhos. Repetiu o erro: casou pouco tempo depois, sem conhecer bem o noivo, George, que tinha dois filhos. George tinha um histórico de violência doméstica que ela não conhecia.

Viveram felizes dois anos, mas a atração pelo marido acabou e os problemas começaram. George queria que Elaine o satisfizesse frequentemente, não importa como. Quando Elaine não estava a fim, George a violava, usando de força, configurando o estupro doméstico. Do estupro e do abuso sexual à violência física a distância é curta. Foi somente quando os cortes e os hematomas apareceram que, com o auxílio intervencionista da família, Elaine se divorciou pela segunda vez.

Uma pesquisa recente (2009) informa que o abuso sexual é um indutor do suicídio, principalmente entre as mulheres. Bebbington e associados calcularam que zerar o abuso sexual na Grã-Bretanha acarretaria uma redução de 28% nos suicídios femininos.

Outras relações efêmeras não melhoraram o conceito que Elaine formara dos homens. Era o galinha que a abandonava depois de transar uma ou poucas vezes, deixando uma sensação de ser usada, multiplicada pela religiosidade, ou era o tipo cativante e promissor, que escondia que era casado. A descoberta era acompanhada da batidíssima explicação de que ele e a mulher “não tinham mais nada” e que só estavam juntos para proteger os filhos etc. A frustração de Elaine aumentava e a autoestima diminuía a cada fracasso afetivo.

No trabalho, Elaine conheceu Amanda, com um histórico semelhante. Se tornaram grandes amigas. Contaram e recontaram suas estórias pessoais e suas frustrações com os homens. Depois de uma festa de aniversário, Amanda a beijou e Elaine não correspondeu, mas não a impediu.

Em outro dia, Amanda insistiu: foi o início de uma relação de mais de três anos. Porém, o fundamentalismo religioso e o homossexualismo não combinam. Ir a uma sex-shop também não, nem viver com a amante. Elaine se afastou da igreja. Não conseguia conviver com a contradição. Stark e Lester analisaram dados referentes a quase 1.700 pessoas, concluindo que a aprovação do suicídio por qualquer razão se reduz com a frequência à igreja. O afastamento aumenta o risco.

Contudo, a relação mudou. Amanda, claramente a dominante, se tornou controladora, ciumenta e conflitiva. Havia um acordo, explícito, muito importante para Elaine, de segredo, indispensável porque trabalhavam no mesmo lugar. Após uma briga, Amanda revelou a quem quisesse ouvir a sua estória de amor com Elaine, a filha do pastor. Moravam na casa de Amanda, que expulsou Elaine de casa.

Elaine se sentiu traída por quem mais havia confiado. Os dias seguintes no escritório foram infernais. Risinhos, cochichos, deboches e até desafios à autoridade de Elaine que tinha a seu cargo uma subchefia.

Poucos dias depois, houve uma conferência no hotel Hyatt, onde esse artigo começou. Elaine redefiniu a sua vida, dedicando-se com maior afinco à sua profissão e também à religião. Ela continua a ver o que aconteceu como um embate entre o Bem e o Mal, que o Bem venceu, mas deixa amplo espaço para a terapia e a resolução dos seus problemas com a família.

Como muitas que sobreviveram a tentativas de suicídio, ou que pensaram seriamente em fazê-lo, superada a crise, Elaine percebeu que tinha outras funções e missões importantes. Circula no estado da Flórida, ajudando pessoas com necessidades nutritivas. Aconselha-as e as defende diante de seguradoras que não querem cumprir o contrato. Aos quase cinquenta anos, finalmente, Elaine se deu conta de que muitos deixaram de sofrer porque ela existe.

GLÁUCIO SOARES é sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio (Uerj).

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2011/08/10/a-vida-depois-da-escuridao-925107661.asp#ixzz1VaEw2ShB

A doença invisível


O médico Richard Besdine escreveu um pequeno artigo chamado LateLife depression: coming out of the shadows no início do ano. A versão do AOL do artigo começa perguntando se você pode resolver uma charada: o que é que afeta um em cada cinco americanos, aumenta o risco de morte e de incapacitação, e duplica seus gastos com a saúde?

Muitos pensam em câncer ou doenças do coração, mas a resposta é dupla: depressão e coração. Essas duas doenças têm muito em comum. Muitas vezes não são notadas e, com menor freqüência, são diagnosticadas; com menor freqüência ainda, são tratadas. Essas deficiências na detecção e tratamento são ainda mais graves entre os idosos. O pior inimigo das pessoas com depressão é tanto cognitivo quanto atitudinal. A maioria dos brasileiros não sabe o que é depressão.

Outra grande ameaça vem da “normalização”, de achar que é normal que idosos e/ou doentes estejam deprimidos. Essa incompreensão do que é depressão, do que é doença e do que são a terceira e a quarta idades, permite muito sofrimento e muitas mortes, além do absolutamente inevitável.

Os brasileiros poderiam sofrer e morrer menos.

Não há dúvida de que alguns aspectos da velhice, como o aumento das doenças crônicas, a morte (com efeito cumulativo) de parentes e amigos, e o crescente número de atividades que não podem mais ser feitas levam muitos a achar que é normal que os “velhos” sejam deprimidos. Mas, olha a surpresa: em várias sociedades, pessoas mais jovens sofrem de depressão com maior freqüência e intensidade do que os idosos. E, acredite ou não, os idosos desenvolveram maneiras mais numerosas e eficientes de lidar com problemas que poderiam causar depressão. Um dado: a pobreza pode multiplicar a depressão tanto em idosos quanto na população jovem e adulta.

O que provoca a depressão? Mais uma surpresa: pesquisadores na Washington University School of Medicine, em St. Louis, e no King’s College, emLondres, chegaram à mesma conclusão e publicaram-na em artigos: geneticamente, há uma combinação no DNA no cromossoma três associado com a depressão. Uma de cada cinco pessoas padece de depressão séria na vida. O que diferencia a que padece das outras quatro? A análise da família revelou um histórico de depressão em muitos dos que enfrentaram essa doença, mas em poucos dos que não a enfrentaram. Há uma região no DNA com 90 genes onde parece que essa predisposição se origina.

Mas, cuidado: muitos com predisposição genética não se deprimem e alguns sem ela ficam deprimidos. Não são populações “determinadas” pela genética a ter ou a não ter a depressão. Esses dois artigos acabam de ser publicados no American Journal of Psychiatry. A “normalização” da depressão mata muita gente, não apenas através do suicídio, talvez a primeira causa que venha à cabeça de muitos, mas que não é a mais importante. Quem teve um ataque cardíaco e sofre com uma depressão tem um risco de morte quatro vezes maior do que os que também tiveram um ataque cardíaco, mas não sofrem (ou sofreram e já controlaram) de uma depressão. Quatro vezes, 400%, não é pouco. Parte da diferença na sobrevivência entre os que sofrem de depressão e os que não sofrem se deve à adoção de comportamentos negativos e prejudiciais á saúde, como beber em excesso, fumar e comer pior, que aumentam o risco de várias doenças. Brenda Penninx e sua equipe pesquisaram 6.247 pessoas com 65 anos ou mais que não sofriam de depressão no início da pesquisa, que durou seis anos. Durante esse período,

quase quinhentas pessoas caíram em depressão. Um dos resultados constatados foi um risco 67% maior de sofrer quedas e outros acidentes do cotidiano e outro foi um risco 73% maior de ter a mobilidade reduzida.

Os maus hábitos, inclusive a ausência de exercícios, ajudam a explicar as diferenças no grau de mobilidade entre os deprimidos e os não deprimidos. Muitos deprimidos acabam se tornando prisioneiros em suas próprias casas e não buscam outras pessoas, nem quando necessitam. Suas redes sociais são mínimas. Além de deprimidos, são solitários.

E há custos: no Brasil, os pobres que padecem de depressão raramente são tratados e sofrem e morrem como moscas. Nos Estados Unidos, onde uma proporção mais elevada recebe tratamento, o custo da depressão anda beirando os US$ 100 bilhões —bilhões mesmo, não milhões. O equivalente à soma do PIB da Bolívia, do Equador e do Paraguai.

É melhor começar a enxergar.


 

GLÁUCIO SOARES

IESP/UERJ


 

Publicado no Correio Braziliense, quinta-feira, 7 de julho de 2011 • Opinião • 23


Se quiser saber mais sobre suicídios e a prevenção de suicídios, visite os seguintes blogs:

A doença invisível


O médico Richard Besdine escreveu um pequeno artigo chamado LateLife depression: coming out of the shadows no início do ano. A versão do AOL do artigo começa perguntando se você pode resolver uma charada: o que é que afeta um em cada cinco americanos, aumenta o risco de morte e de incapacitação, e duplica seus gastos com a saúde?

Muitos pensam em câncer ou doenças do coração, mas a resposta é dupla: depressão e coração. Essas duas doenças têm muito em comum. Muitas vezes não são notadas e, com menor freqüência, são diagnosticadas; com menor freqüência ainda, são tratadas. Essas deficiências na detecção e tratamento são ainda mais graves entre os idosos. O pior inimigo das pessoas com depressão é tanto cognitivo quanto atitudinal. A maioria dos brasileiros não sabe o que é depressão.

Outra grande ameaça vem da “normalização”, de achar que é normal que idosos e/ou doentes estejam deprimidos. Essa incompreensão do que é depressão, do que é doença e do que são a terceira e a quarta idades, permite muito sofrimento e muitas mortes, além do absolutamente inevitável.

Os brasileiros poderiam sofrer e morrer menos.

Não há dúvida de que alguns aspectos da velhice, como o aumento das doenças crônicas, a morte (com efeito cumulativo) de parentes e amigos, e o crescente número de atividades que não podem mais ser feitas levam muitos a achar que é normal que os “velhos” sejam deprimidos. Mas, olha a surpresa: em várias sociedades, pessoas mais jovens sofrem de depressão com maior freqüência e intensidade do que os idosos. E, acredite ou não, os idosos desenvolveram maneiras mais numerosas e eficientes de lidar com problemas que poderiam causar depressão. Um dado: a pobreza pode multiplicar a depressão tanto em idosos quanto na população jovem e adulta.

O que provoca a depressão? Mais uma surpresa: pesquisadores na Washington University School of Medicine, em St. Louis, e no King’s College, emLondres, chegaram à mesma conclusão e publicaram-na em artigos: geneticamente, há uma combinação no DNA no cromossoma três associado com a depressão. Uma de cada cinco pessoas padece de depressão séria na vida. O que diferencia a que padece das outras quatro? A análise da família revelou um histórico de depressão em muitos dos que enfrentaram essa doença, mas em poucos dos que não a enfrentaram. Há uma região no DNA com 90 genes onde parece que essa predisposição se origina.

Mas, cuidado: muitos com predisposição genética não se deprimem e alguns sem ela ficam deprimidos. Não são populações “determinadas” pela genética a ter ou a não ter a depressão. Esses dois artigos acabam de ser publicados no American Journal of Psychiatry. A “normalização” da depressão mata muita gente, não apenas através do suicídio, talvez a primeira causa que venha à cabeça de muitos, mas que não é a mais importante. Quem teve um ataque cardíaco e sofre com uma depressão tem um risco de morte quatro vezes maior do que os que também tiveram um ataque cardíaco, mas não sofrem (ou sofreram e já controlaram) de uma depressão. Quatro vezes, 400%, não é pouco. Parte da diferença na sobrevivência entre os que sofrem de depressão e os que não sofrem se deve à adoção de comportamentos negativos e prejudiciais á saúde, como beber em excesso, fumar e comer pior, que aumentam o risco de várias doenças. Brenda Penninx e sua equipe pesquisaram 6.247 pessoas com 65 anos ou mais que não sofriam de depressão no início da pesquisa, que durou seis anos. Durante esse período,

quase quinhentas pessoas caíram em depressão. Um dos resultados constatados foi um risco 67% maior de sofrer quedas e outros acidentes do cotidiano e outro foi um risco 73% maior de ter a mobilidade reduzida.

Os maus hábitos, inclusive a ausência de exercícios, ajudam a explicar as diferenças no grau de mobilidade entre os deprimidos e os não deprimidos. Muitos deprimidos acabam se tornando prisioneiros em suas próprias casas e não buscam outras pessoas, nem quando necessitam. Suas redes sociais são mínimas. Além de deprimidos, são solitários.

E há custos: no Brasil, os pobres que padecem de depressão raramente são tratados e sofrem e morrem como moscas. Nos Estados Unidos, onde uma proporção mais elevada recebe tratamento, o custo da depressão anda beirando os US$ 100 bilhões —bilhões mesmo, não milhões. O equivalente à soma do PIB da Bolívia, do Equador e do Paraguai.

É melhor começar a enxergar.


 

GLÁUCIO SOARES

IESP/UERJ


 

Publicado no Correio Braziliense, quinta-feira, 7 de julho de 2011 • Opinião • 23

A doença invisível


O médico Richard Besdine escreveu um pequeno artigo chamado LateLife depression: coming out of the shadows no início do ano. A versão do AOL do artigo começa perguntando se você pode resolver uma charada: o que é que afeta um em cada cinco americanos, aumenta o risco de morte e de incapacitação, e duplica seus gastos com a saúde?

Muitos pensam em câncer ou doenças do coração, mas a resposta é dupla: depressão e coração. Essas duas doenças têm muito em comum. Muitas vezes não são notadas e, com menor freqüência, são diagnosticadas; com menor freqüência ainda, são tratadas. Essas deficiências na detecção e tratamento são ainda mais graves entre os idosos. O pior inimigo das pessoas com depressão é tanto cognitivo quanto atitudinal. A maioria dos brasileiros não sabe o que é depressão.

Outra grande ameaça vem da “normalização”, de achar que é normal que idosos e/ou doentes estejam deprimidos. Essa incompreensão do que é depressão, do que é doença e do que são a terceira e a quarta idades, permite muito sofrimento e muitas mortes, além do absolutamente inevitável.

Os brasileiros poderiam sofrer e morrer menos.

Não há dúvida de que alguns aspectos da velhice, como o aumento das doenças crônicas, a morte (com efeito cumulativo) de parentes e amigos, e o crescente número de atividades que não podem mais ser feitas levam muitos a achar que é normal que os “velhos” sejam deprimidos. Mas, olha a surpresa: em várias sociedades, pessoas mais jovens sofrem de depressão com maior freqüência e intensidade do que os idosos. E, acredite ou não, os idosos desenvolveram maneiras mais numerosas e eficientes de lidar com problemas que poderiam causar depressão. Um dado: a pobreza pode multiplicar a depressão tanto em idosos quanto na população jovem e adulta.

O que provoca a depressão? Mais uma surpresa: pesquisadores na Washington University School of Medicine, em St. Louis, e no King’s College, emLondres, chegaram à mesma conclusão e publicaram-na em artigos: geneticamente, há uma combinação no DNA no cromossoma três associado com a depressão. Uma de cada cinco pessoas padece de depressão séria na vida. O que diferencia a que padece das outras quatro? A análise da família revelou um histórico de depressão em muitos dos que enfrentaram essa doença, mas em poucos dos que não a enfrentaram. Há uma região no DNA com 90 genes onde parece que essa predisposição se origina.

Mas, cuidado: muitos com predisposição genética não se deprimem e alguns sem ela ficam deprimidos. Não são populações “determinadas” pela genética a ter ou a não ter a depressão. Esses dois artigos acabam de ser publicados no American Journal of Psychiatry. A “normalização” da depressão mata muita gente, não apenas através do suicídio, talvez a primeira causa que venha à cabeça de muitos, mas que não é a mais importante. Quem teve um ataque cardíaco e sofre com uma depressão tem um risco de morte quatro vezes maior do que os que também tiveram um ataque cardíaco, mas não sofrem (ou sofreram e já controlaram) de uma depressão. Quatro vezes, 400%, não é pouco. Parte da diferença na sobrevivência entre os que sofrem de depressão e os que não sofrem se deve à adoção de comportamentos negativos e prejudiciais á saúde, como beber em excesso, fumar e comer pior, que aumentam o risco de várias doenças. Brenda Penninx e sua equipe pesquisaram 6.247 pessoas com 65 anos ou mais que não sofriam de depressão no início da pesquisa, que durou seis anos. Durante esse período,

quase quinhentas pessoas caíram em depressão. Um dos resultados constatados foi um risco 67% maior de sofrer quedas e outros acidentes do cotidiano e outro foi um risco 73% maior de ter a mobilidade reduzida.

Os maus hábitos, inclusive a ausência de exercícios, ajudam a explicar as diferenças no grau de mobilidade entre os deprimidos e os não deprimidos. Muitos deprimidos acabam se tornando prisioneiros em suas próprias casas e não buscam outras pessoas, nem quando necessitam. Suas redes sociais são mínimas. Além de deprimidos, são solitários.

E há custos: no Brasil, os pobres que padecem de depressão raramente são tratados e sofrem e morrem como moscas. Nos Estados Unidos, onde uma proporção mais elevada recebe tratamento, o custo da depressão anda beirando os US$ 100 bilhões —bilhões mesmo, não milhões. O equivalente à soma do PIB da Bolívia, do Equador e do Paraguai.

É melhor começar a enxergar.


 

GLÁUCIO SOARES

IESP/UERJ


 

Publicado no Correio Braziliense, quinta-feira, 7 de julho de 2011 • Opinião • 23


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A DOENÇA INVISÍVEL

 O médico Richard Besdine escreveu um pequeno artigo chamado Late-Life Depression: Coming Out of the Shadows no início do ano. A versão AOL do artigo começa perguntando se você pode resolver uma charada: o que é que afeta um em cada cinco americanos, aumenta o risco de morte e de incapacitação e duplica seus gastos com a saúde?
Muitos pensam em câncer ou doenças do coração, mas a resposta é dupla: depressão e coração. Essas duas doenças têm muito em comum:
·       Muitas vezes não são notadas e, com menor freqüência são  diagnosticadas;
·       Com menor freqüência ainda, são tratadas;
·       Essas deficiências na detecção e tratamento são ainda mais graves entre os idosos.
O pior inimigo das pessoas com depressão é tanto cognitivo quanto atitudinal. A maioria dos brasileiros não sabe o que é depressão. Outra grande ameaça vem da “normalização”, de achar que é normal que idosos e/ou doentes estejam deprimidos.
Esta incompreensão do que é depressão, do que é doença e do que são a Terceira e a Quarta idades permite muito sofrimento e muitas mortes, além do absolutamente inevitável. Os brasileiros poderiam sofrer e morrer menos.
Não há dúvida de que alguns aspectos da velhice, como o aumento das doenças crônicas, a morte (com efeito cumulativo) de parentes e amigos, e o crescente número de atividades que não podem mais ser feitas levam muitos a achar que é normal que os “velhos” sejam deprimidos.
Mas, olha a surpresa: em várias sociedades, pessoas mais jovens sofrem de depressão com maior freqüência e intensidade do que os idosos. E, acredite ou não, os idosos desenvolveram maneiras mais numerosas e eficientes de lidar com problemas que poderiam causar depressão. Um dado: a pobreza pode multiplicar a depressão tanto em idosos quanto na população jovem e adulta.
O que provoca a depressão? Mais uma surpresa: pesquisadores na Washington University School of Medicine em St. Louis e no King’s College em Londres chegaram à mesma conclusão: geneticamente, há uma combinação no DNA no cromossoma 3 associado com a depressão.
Uma de cada cinco pessoas padece de depressão séria na vida. O que diferencia a que padece das outras quatro? A análise da família revelou um histórico de depressão em muitos dos que enfrentaram essa doença, mas em poucos dos que não a enfrentaram. Há uma região no DNA com noventa genes onde parece que essa predisposição se origina.
Mas, cuidado: muitos com predisposição genética não se deprimem e alguns sem ela ficam deprimidos. Não são populações “determinadas” pela genética a ter ou a não ter a depressão. Esses dois artigos acabam de ser publicados no American Journal of Psychiatry.
A “normalização” da depressão mata muita gente, não apenas através do suicídio, talvez a primeira causa que venha à cabeça de muita gente, mas que não é a mais importante. Quem teve um ataque cardíaco e sofre com uma depressão tem um risco de morte quatro vezes maior do que os que também tiveram um ataque cardíaco, mas não sofrem (ou sofreram e já controlaram) de uma depressão. Quatro vezes, 400%, não é pouco.
Parte da diferença na sobrevivência entre os que sofrem de depressão e os que não sofrem se deve à adoção de comportamentos negativos e prejudiciais á saúde, como beber em excesso, fumar, comer pior que aumentam o risco de várias doenças. Brenda Penninx e sua equipe pesquisaram 6.247 pessoas com 65 anos ou mais que não sofriam de depressão no início da pesquisa, que durou seis anos. Durante esse período, quase quinhentas pessoas caíram em depressão. Um dos resultados constatados foi um risco 67% maior de sofrer quedas e outros acidentes do cotidiano e outro foi um risco 73% maior de ter a mobilidade reduzida. Os maus hábitos, inclusive a ausência de exercícios, ajudam a explicar as diferenças  no grau de mobilidade entre os deprimidos e os não deprimidos. Muitos deprimidos acabam se tornando prisioneiros em suas próprias casas e não buscam outras pessoas, nem quando necessitam. Suas redes sociais são mínimas. Além de deprimidos, são solitários.
E há custos: no Brasil, os pobres que padecem de depressão raramente são tratados e sofrem e morrem como moscas. Nos Estados Unidos, onde uma proporção mais elevada recebe tratamento, o custo da depressão anda beirando os cem bilhões de dólares por ano – bilhões mesmo, não milhões. O equivalente à soma do PIB da Bolívia, do Equador e do Paraguai!!!
É melhor começar a enxergar.
GLÁUCIO SOARES
IESP/UERJ

A DOENÇA INVISÍVEL

O médico Richard Besdine escreveu um pequeno artigo chamado Late-Life Depression: Coming Out of the Shadows no início do ano. A versão AOL do artigo começa perguntando se você pode resolver uma charada: o que é que afeta um em cada cinco americanos, aumenta o risco de morte e de incapacitação e duplica seus gastos com a saúde?
Muitos pensam em câncer ou doenças do coração, mas a resposta é dupla: depressão e coração. Essas duas doenças têm muito em comum:
·       Muitas vezes não são notadas e, com menor freqüência são  diagnosticadas;
·       Com menor freqüência ainda, são tratadas;
·       Essas deficiências na detecção e tratamento são ainda mais graves entre os idosos.
O pior inimigo das pessoas com depressão é tanto cognitivo quanto atitudinal. A maioria dos brasileiros não sabe o que é depressão. Outra grande ameaça vem da “normalização”, de achar que é normal que idosos e/ou doentes estejam deprimidos.
Esta incompreensão do que é depressão, do que é doença e do que são a Terceira e a Quarta idades permite muito sofrimento e muitas mortes, além do absolutamente inevitável. Os brasileiros poderiam sofrer e morrer menos.
Não há dúvida de que alguns aspectos da velhice, como o aumento das doenças crônicas, a morte (com efeito cumulativo) de parentes e amigos, e o crescente número de atividades que não podem mais ser feitas levam muitos a achar que é normal que os “velhos” sejam deprimidos.
Mas, olha a surpresa: em várias sociedades, pessoas mais jovens sofrem de depressão com maior freqüência e intensidade do que os idosos. E, acredite ou não, os idosos desenvolveram maneiras mais numerosas e eficientes de lidar com problemas que poderiam causar depressão. Um dado: a pobreza pode multiplicar a depressão tanto em idosos quanto na população jovem e adulta.
O que provoca a depressão? Mais uma surpresa: pesquisadores na Washington University School of Medicine em St. Louis e no King’s College em Londres chegaram à mesma conclusão: geneticamente, há uma combinação no DNA no cromossoma 3 associado com a depressão.
Uma de cada cinco pessoas padece de depressão séria na vida. O que diferencia a que padece das outras quatro? A análise da família revelou um histórico de depressão em muitos dos que enfrentaram essa doença, mas em poucos dos que não a enfrentaram. Há uma região no DNA com noventa genes onde parece que essa predisposição se origina.
Mas, cuidado: muitos com predisposição genética não se deprimem e alguns sem ela ficam deprimidos. Não são populações “determinadas” pela genética a ter ou a não ter a depressão. Esses dois artigos acabam de ser publicados no American Journal of Psychiatry.
A “normalização” da depressão mata muita gente, não apenas através do suicídio, talvez a primeira causa que venha à cabeça de muita gente, mas que não é a mais importante. Quem teve um ataque cardíaco e sofre com uma depressão tem um risco de morte quatro vezes maior do que os que também tiveram um ataque cardíaco, mas não sofrem (ou sofreram e já controlaram) de uma depressão. Quatro vezes, 400%, não é pouco.
Parte da diferença na sobrevivência entre os que sofrem de depressão e os que não sofrem se deve à adoção de comportamentos negativos e prejudiciais á saúde, como beber em excesso, fumar, comer pior que aumentam o risco de várias doenças. Brenda Penninx e sua equipe pesquisaram 6.247 pessoas com 65 anos ou mais que não sofriam de depressão no início da pesquisa, que durou seis anos. Durante esse período, quase quinhentas pessoas caíram em depressão. Um dos resultados constatados foi um risco 67% maior de sofrer quedas e outros acidentes do cotidiano e outro foi um risco 73% maior de ter a mobilidade reduzida. Os maus hábitos, inclusive a ausência de exercícios, ajudam a explicar as diferenças  no grau de mobilidade entre os deprimidos e os não deprimidos. Muitos deprimidos acabam se tornando prisioneiros em suas próprias casas e não buscam outras pessoas, nem quando necessitam. Suas redes sociais são mínimas. Além de deprimidos, são solitários.
E há custos: no Brasil, os pobres que padecem de depressão raramente são tratados e sofrem e morrem como moscas. Nos Estados Unidos, onde uma proporção mais elevada recebe tratamento, o custo da depressão anda beirando os cem bilhões de dólares por ano – bilhões mesmo, não milhões. O equivalente à soma do PIB da Bolívia, do Equador e do Paraguai!!!
É melhor começar a enxergar.
GLÁUCIO SOARES
IESP/UERJ

A reabilitação cardíaca salva muitas vidas

O que é reabilitação cardíaca? Segundo o conhecido National Institute of Health, é um programa SIMPLES composto por

  • Exercícios sob supervisão;
  • Educação e informação sobre o funcionamento do sistema cardiovascular e sobre como o estilo de vida do paciente afeta esse sistema;
  • Terapia ou aconselhamento profissional;
  • Redução de estresse.

É simples e eficiente, uma grande ajuda a quem faz tratamento cardíaco ou de qualquer parte do sistema cardiovascular. Melhora as pessoas.

Nos Estados Unidos, cada ano 600 mil pessoas fazem algum tipo de cirurgia cardíaca, particularmente angioplastia, e todos poderiam se beneficiar muito do programa. Não sei quantos fazem cirurgias semelhantes no Brasil, mas suspeito que poucos façam um programa de reabilitação cardiovascular.

Vale a pena? A conhecida Mayo Clinic patrocinou um estudo com 2.400 pacientes que durou quatorze anos. Os resultados mostram que as taxas de sobrevivência dos que seguiram programas semelhantes são muito mais altas do que a dos demais.

Angioplastia é uma cirurgia que corrige erros do nosso estilo de vida e da nossa genética: artérias próximas ao coração ficam obstruídas com placas (aterosclerose) e a cirurgia aumenta artificialmente o diâmetro desses vasos sanguíneos para que o sangue possa circular. É importante saber que as placas podem e devem ser reduzidas desde muito tempo antes com dieta e exercício o que evita a cirurgia ou, pelo menos, a posterga por vários anos.

O programa tem tal impacto que quarenta por cento dos pacientes que assistiram pelo menos uma das sessões do programa tiveram uma redução importante nas taxas de mortalidade de todas as causas. A prazo, as diferenças se acumulam e são maiores: O Dr. Randal Thomas diz que os que fizeram o curso de reabilitação tem 50%.

Há críticas à pesquisa que afirmam que a população estudada é homogênea, ao que os autores respondem com o argumento forte de que mesmo de apenas 20% aumentarem a esperança de vida, são 120 mil pessoas!

Precisamos treinar – e muito – nossas enfermeiras e conscientizar – e muito – nossos cirurgiões que a guerra contra a doença e a morte continuam após a cirurgia.

GLÁUCIO SOARES

O COMPLEXO DE AGAR

Chamemos, por conveniência, de “complexo de Agar”, uma síndrome que inclui, com freqüência, uma sensação de onipotência, de poder agüentar e segurar a barra de outros quase sem auxilio e de segurar a própria barra sem qualquer auxílio. Essa atitude deixa a pessoa muito vulnerável, seja aos espíritos negativos, aos demônios ou à doença mental, dependendo do ponto de vista de quem a analise. Com freqüência inclui aqueles que ajudam muito ao próximo e nada a si mesmos. A negação da sua própria vulnerabilidade o define. A onipotência é parte do complexo.

A inspiração para esse termo veio durante uma palestra num centro espírita, baseada em mensagem psicografada por Chico Xavier em 1943. Mesmo sendo católico, atendo serviços religiosos em diferentes denominações e sonho com o dia em que todas as igrejas do bem trabalhem juntas pelo bem.  Agar amava e ajudava o próximo, mas precisava e não buscou ajuda: se suicidou aos 33 anos.

A fé católica alerta sobre a tentação do suicídio. Nem os santos escapam: Elias pediu a Deus que o levasse; a tentação de St­o. Antonio foi elegantemente descrita por Flaubert. Porém, a postura da Igreja é clara como se lê na primeira carta aos Coríntios: “Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo.”(3: 17). O suicídio é visto como uma forma de homicídio. Talvez por isso, a relação negativa entre religião e suicídio, particularmente entre o catolicismo e o suicídio, seja uma das mais conhecidas.

Passando para os olhares das pesquisas psiquiátricas, sublinho duas doenças mentais, freqüentemente relacionadas, mas não iguais, que aumentam o risco de suicídio. Harris e Barraclough demonstraram que, na Grã Bretanha, o risco de suicídio das pessoas bipolares era quinze vezes o da população total. É um aumento gigantesco. Alguns dados sobre a bipolaridade ajudam a entender o peso que os que enfrentam essa doença carregam, sobretudo se não se tratam: poucos têm, apenas, um episódio de mania. Noventa por cento têm mais de um. Sem tratamento, a média é de oito a dez episódios sérios durante a vida. Entre os episódios, os sintomas diminuem, mas em um entre cada quatro casos os pacientes continuam instáveis e com depressão leve ou moderada.

O suicídio não é a única conseqüência negativa e mensurável da bipolaridade: mulheres bipolares perdem, na média, nove anos na expectativa de vida, doze anos de saúde normal e quatorze anos de produtividade, incluindo não apenas as grandes crises, mas as minicrises e depressões do quotidiano.

Tudo muda com o tratamento. Baldessarini, Tondo e Hennen afirmam que o tratamento reduz dramaticamente o sofrimento e o risco de suicídio, que é oito vezes menor do que o dos bipolares que não se tratam. O tratamento dá certo, mas deve ser permanente, “para sempre”. Porém, um dos comportamentos mais comuns e perniciosos é suspender o tratamento quando o paciente, julgando por alguns sintomas, “acha” que está permanente ou momentaneamente curado e o interrompe. A maioria dos bipolares interrompe o tratamento após um ano. Há, nisso, um dos componentes do Complexo de Agar, que consiste em se adjudicar o conhecimento e o direito de decidir seu próprio tratamento, particularmente quando termina uma etapa depressiva.

A depressão, outra doença mental, é mais comum e menos letal.  Sane estima que na Grã-Bretanha 3 a 4% dos homens e 7 a 8% das mulheres enfrentam uma depressão moderada ou séria em algum momento da vida. Porém, as estimativas da incidência e da prevalência de depressão variam muito de país para país. Weissman, Bland e Canino estudaram dez países e as taxas de depressão séria variaram entre 1,5% em Taiwan e 19% em Beirute. Entre as muitas diferenças, duas semelhanças: a idade da primeira experiência depressiva (concentrada entre 25 e 35 anos) e as taxas femininas são mais altas do que as masculinas.

A depressão também aumenta o risco de suicídio. Na Irlanda, segundo Patrick McKeon, o risco na população total é de 1,3% (em toda a vida), ao passo que entre os que sofrem de depressão profunda é de 6% – um paciente em cada 17.

Kessing , Agerbo e Mortensen trabalharam dados dinamarqueses e pesquisaram que tipo de acontecimentos estressantes podem provocar internações por razão psiquiátrica relacionada à bipolaridade. A morte de um familiar aparecia, intuitivamente, como uma forte razão. Descobriram que não era, exceto as mortes por suicídio. Ou seja, as pessoas, inclusive as bipolares, lidam com a morte de seres queridos, mas não com a morte por suicídio. O suicídio deixa uma esteira de sofrimento e pode levar a outros suicídios.

Para os que crêem no espiritismo, os suicidas têm consciência da destruição que causaram: “E seu coração carinhoso pode avaliar com que lágrimas venho lavando o remorso de não ter pensado mais, diz Agar à mãe” E, há reconhecimento do perdão, ainda que não merecido: “todavia, também sei que sua alma generosa me perdoou setenta vezes sete vezes.”

Um perigo cerca as pessoas cuja vida ou profissão consiste em ajudar outras pessoas. São muitas profissões e atividades que caracterizam os caregivers. As doenças degenerativas e irreversíveis são as mais pesadas para quem cuida dos pacientes.  São muitas.

Devido à necessidade de cuidado permanente e à redução ou falta total de recursos, o tratamento pode começar nos hospitais, mas, esgotadas as economias, acaba ficando nas mãos da família, cujos membros não foram treinados para tal. A filha de um casal, Lisa, descreve como a saúde mental da mãe deteriorava pari passu com a saúde física do pai. Mais e mais deprimida, a mãe deu sinais, repetidas vezes, falando do seu desejo “de ir embora e não voltar nunca mais”. Expressão relacionada com fuga, deserção, mas também com suicídio. O que alertou Lisa para essa possibilidade foi o suicídio “inesperado” de um sobrinho. Tinha dado muitos sinais, mas ninguém viu. Lisa se conscientizou a partir daí. Leu, e aprendeu que os caregivers profissionais são aconselhados a tirar férias, fazem rotações e se afastam quando a barra fica pesada demais, mas os familiares têm pouca margem para manobra. Como tirar “férias” do pai, parceiro ou filha doente? O envolvimento de Lisa talvez tenha salvo a vida da mãe. Deu o alerta que faltava.

A construção de uma rede de proteção para detectar e tratar casos de depressão e de bipolaridade pode ser um dos procedimentos mais difíceis e necessários para tratar com esses problemas na população. Se os pacientes não buscam o tratamento, é importante que o tratamento busque o paciente.  Rihmer, Rutz e Pihlgren desenvolveram um programa na pequena ilha sueca de Gotland. Treinaram os agentes de saúde, inclusive médicos privados, a detectar os sintomas de bipolaridade e de depressão, tratando-os com medicamentos. O resultado foi uma expressiva baixa na taxa de suicídios femininos, mas não masculinos. Em muitos lugares programas preventivos reduziram significativamente as taxas. Idealmente, essa rede de detecção e proteção pode ser ampliada de maneira a incluir professoras, policiais, familiares e mais. Porém, o treinamento de todo o sistema de saúde para esse fim está muitas décadas de desenvolvimento institucional adiante de nós.

 GLÁUCIO ARY DILLON SOARES

 IESP/UERJ

O COMPLEXO DE AGAR

Chamemos, por conveniência, de “complexo de Agar”, uma síndrome que inclui, com freqüência, uma sensação de onipotência, de poder agüentar e segurar a barra de outros quase sem auxilio e de segurar a própria barra sem qualquer auxílio. Essa atitude deixa a pessoa muito vulnerável, seja aos espíritos negativos, aos demônios ou à doença mental, dependendo do ponto de vista de quem a analise. Com freqüência inclui aqueles que ajudam muito ao próximo e nada a si mesmos. A negação da sua própria vulnerabilidade o define. A onipotência é parte do complexo.

A inspiração para esse termo veio durante uma palestra num centro espírita, baseada em mensagem psicografada por Chico Xavier em 1943. Mesmo sendo católico, atendo serviços religiosos em diferentes denominações e sonho com o dia em que todas as igrejas do bem trabalhem juntas pelo bem. Agar amava e ajudava o próximo, mas precisava e não buscou ajuda: se suicidou aos 33 anos.

A fé católica alerta sobre a tentação do suicídio. Nem os santos escapam: Elias pediu a Deus que o levasse; a tentação de St­o. Antonio foi elegantemente descrita por Flaubert. Porém, a postura da Igreja é clara como se lê na primeira carta aos Coríntios: “Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo.”(3: 17). O suicídio é visto como uma forma de homicídio. Talvez por isso, a relação negativa entre religião e suicídio, particularmente entre o catolicismo e o suicídio, seja uma das mais conhecidas.

Passando para os olhares das pesquisas psiquiátricas, sublinho duas doenças mentais, freqüentemente relacionadas, mas não iguais, que aumentam o risco de suicídio. Harris e Barraclough demonstraram que, na Grã Bretanha, o risco de suicídio das pessoas bipolares era quinze vezes o da população total. É um aumento gigantesco. Alguns dados sobre a bipolaridade ajudam a entender o peso que os que enfrentam essa doença carregam, sobretudo se não se tratam: poucos têm, apenas, um episódio de mania. Noventa por cento têm mais de um. Sem tratamento, a média é de oito a dez episódios sérios durante a vida. Entre os episódios, os sintomas diminuem, mas em um entre cada quatro casos os pacientes continuam instáveis e com depressão leve ou moderada.

O suicídio não é a única conseqüência negativa e mensurável da bipolaridade: mulheres bipolares perdem, na média, nove anos na expectativa de vida, doze anos de saúde normal e quatorze anos de produtividade, incluindo não apenas as grandes crises, mas as minicrises e depressões do quotidiano.

Tudo muda com o tratamento. Baldessarini, Tondo e Hennen afirmam que o tratamento reduz dramaticamente o sofrimento e o risco de suicídio, que é oito vezes menor do que o dos bipolares que não se tratam. O tratamento dá certo, mas deve ser permanente, “para sempre”. Porém, um dos comportamentos mais comuns e perniciosos é suspender o tratamento quando o paciente, julgando por alguns sintomas, “acha” que está permanente ou momentaneamente curado e o interrompe. A maioria dos bipolares interrompe o tratamento após um ano. Há, nisso, um dos componentes do Complexo de Agar, que consiste em se adjudicar o conhecimento e o direito de decidir seu próprio tratamento, particularmente quando termina uma etapa depressiva.

A depressão, outra doença mental, é mais comum e menos letal. Sane estima que na Grã-Bretanha 3 a 4% dos homens e 7 a 8% das mulheres enfrentam uma depressão moderada ou séria em algum momento da vida. Porém, as estimativas da incidência e da prevalência de depressão variam muito de país para país. Weissman, Bland e Canino estudaram dez países e as taxas de depressão séria variaram entre 1,5% em Taiwan e 19% em Beirute. Entre as muitas diferenças, duas semelhanças: a idade da primeira experiência depressiva (concentrada entre 25 e 35 anos) e as taxas femininas são mais altas do que as masculinas.

A depressão também aumenta o risco de suicídio. Na Irlanda, segundo Patrick McKeon, o risco na população total é de 1,3% (em toda a vida), ao passo que entre os que sofrem de depressão profunda é de 6% – um paciente em cada 17.

Kessing , Agerbo e Mortensen trabalharam dados dinamarqueses e pesquisaram que tipo de acontecimentos estressantes podem provocar internações por razão psiquiátrica relacionada à bipolaridade. A morte de um familiar aparecia, intuitivamente, como uma forte razão. Descobriram que não era, exceto as mortes por suicídio. Ou seja, as pessoas, inclusive as bipolares, lidam com a morte de seres queridos, mas não com a morte por suicídio. O suicídio deixa uma esteira de sofrimento e pode levar a outros suicídios.

Para os que crêem no espiritismo, os suicidas têm consciência da destruição que causaram: “E seu coração carinhoso pode avaliar com que lágrimas venho lavando o remorso de não ter pensado mais, diz Agar à mãe” E, há reconhecimento do perdão, ainda que não merecido: “todavia, também sei que sua alma generosa me perdoou setenta vezes sete vezes.”

Um perigo cerca as pessoas cuja vida ou profissão consiste em ajudar outras pessoas. São muitas profissões e atividades que caracterizam os caregivers. As doenças degenerativas e irreversíveis são as mais pesadas para quem cuida dos pacientes. São muitas.

Devido à necessidade de cuidado permanente e à redução ou falta total de recursos, o tratamento pode começar nos hospitais, mas, esgotadas as economias, acaba ficando nas mãos da família, cujos membros não foram treinados para tal. A filha de um casal, Lisa, descreve como a saúde mental da mãe deteriorava pari passu com a saúde física do pai. Mais e mais deprimida, a mãe deu sinais, repetidas vezes, falando do seu desejo “de ir embora e não voltar nunca mais”. Expressão relacionada com fuga, deserção, mas também com suicídio. O que alertou Lisa para essa possibilidade foi o suicídio “inesperado” de um sobrinho. Tinha dado muitos sinais, mas ninguém viu. Lisa se conscientizou a partir daí. Leu, e aprendeu que os caregivers profissionais são aconselhados a tirar férias, fazem rotações e se afastam quando a barra fica pesada demais, mas os familiares têm pouca margem para manobra. Como tirar “férias” do pai, parceiro ou filha doente? O envolvimento de Lisa talvez tenha salvo a vida da mãe. Deu o alerta que faltava.

A construção de uma rede de proteção para detectar e tratar casos de depressão e de bipolaridade pode ser um dos procedimentos mais difíceis e necessários para tratar com esses problemas na população. Se os pacientes não buscam o tratamento, é importante que o tratamento busque o paciente. Rihmer, Rutz e Pihlgren desenvolveram um programa na pequena ilha sueca de Gotland. Treinaram os agentes de saúde, inclusive médicos privados, a detectar os sintomas de bipolaridade e de depressão, tratando-os com medicamentos. O resultado foi uma expressiva baixa na taxa de suicídios femininos, mas não masculinos. Em muitos lugares programas preventivos reduziram significativamente as taxas. Idealmente, essa rede de detecção e proteção pode ser ampliada de maneira a incluir professoras, policiais, familiares e mais. Porém, o treinamento de todo o sistema de saúde para esse fim está muitas décadas de desenvolvimento institucional adiante de nós.

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES

IESP/UERJ

Se quiser saber mais sobre suicídios e a prevenção de suicídios, visite os seguintes blogs:

O COMPLEXO DE AGAR

Chamemos, por conveniência, de “complexo de Agar”, uma síndrome que inclui, com freqüência, uma sensação de onipotência, de poder agüentar e segurar a barra de outros quase sem auxilio e de segurar a própria barra sem qualquer auxílio. Essa atitude deixa a pessoa muito vulnerável, seja aos espíritos negativos, aos demônios ou à doença mental, dependendo do ponto de vista de quem a analise. Com freqüência inclui aqueles que ajudam muito ao próximo e nada a si mesmos. A negação da sua própria vulnerabilidade o define. A onipotência é parte do complexo.
A inspiração para esse termo veio durante uma palestra num centro espírita, baseada em mensagem psicografada por Chico Xavier em 1943. Mesmo sendo católico, atendo serviços religiosos em diferentes denominações e sonho com o dia em que todas as igrejas do bem trabalhem juntas pelo bem.  Agar amava e ajudava o próximo, mas precisava e não buscou ajuda: se suicidou aos 33 anos.
A fé católica alerta sobre a tentação do suicídio. Nem os santos escapam: Elias pediu a Deus que o levasse; a tentação de St­o. Antonio foi elegantemente descrita por Flaubert. Porém, a postura da Igreja é clara como se lê na primeira carta aos Coríntios: “Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo.”(3: 17). O suicídio é visto como uma forma de homicídio. Talvez por isso, a relação negativa entre religião e suicídio, particularmente entre o catolicismo e o suicídio, seja uma das mais conhecidas.
Passando para os olhares das pesquisas psiquiátricas, sublinho duas doenças mentais, freqüentemente relacionadas, mas não iguais, que aumentam o risco de suicídio. Harris e Barraclough demonstraram que, na Grã Bretanha, o risco de suicídio das pessoas bipolares era quinze vezes o da população total. É um aumento gigantesco. Alguns dados sobre a bipolaridade ajudam a entender o peso que os que enfrentam essa doença carregam, sobretudo se não se tratam: poucos têm, apenas, um episódio de mania. Noventa por cento têm mais de um. Sem tratamento, a média é de oito a dez episódios sérios durante a vida. Entre os episódios, os sintomas diminuem, mas em um entre cada quatro casos os pacientes continuam instáveis e com depressão leve ou moderada.
O suicídio não é a única conseqüência negativa e mensurável da bipolaridade: mulheres bipolares perdem, na média, nove anos na expectativa de vida, doze anos de saúde normal e quatorze anos de produtividade, incluindo não apenas as grandes crises, mas as minicrises e depressões do quotidiano.
Tudo muda com o tratamento. Baldessarini, Tondo e Hennen afirmam que o tratamento reduz dramaticamente o sofrimento e o risco de suicídio, que é oito vezes menor do que o dos bipolares que não se tratam. O tratamento dá certo, mas deve ser permanente, “para sempre”. Porém, um dos comportamentos mais comuns e perniciosos é suspender o tratamento quando o paciente, julgando por alguns sintomas, “acha” que está permanente ou momentaneamente curado e o interrompe. A maioria dos bipolares interrompe o tratamento após um ano. Há, nisso, um dos componentes do Complexo de Agar, que consiste em se adjudicar o conhecimento e o direito de decidir seu próprio tratamento, particularmente quando termina uma etapa depressiva.
A depressão, outra doença mental, é mais comum e menos letal.  Sane estima que na Grã-Bretanha 3 a 4% dos homens e 7 a 8% das mulheres enfrentam uma depressão moderada ou séria em algum momento da vida. Porém, as estimativas da incidência e da prevalência de depressão variam muito de país para país. Weissman, Bland e Canino estudaram dez países e as taxas de depressão séria variaram entre 1,5% em Taiwan e 19% em Beirute. Entre as muitas diferenças, duas semelhanças: a idade da primeira experiência depressiva (concentrada entre 25 e 35 anos) e as taxas femininas são mais altas do que as masculinas.
A depressão também aumenta o risco de suicídio. Na Irlanda, segundo Patrick McKeon, o risco na população total é de 1,3% (em toda a vida), ao passo que entre os que sofrem de depressão profunda é de 6% – um paciente em cada 17.
Kessing , Agerbo e Mortensen trabalharam dados dinamarqueses e pesquisaram que tipo de acontecimentos estressantes podem provocar internações por razão psiquiátrica relacionada à bipolaridade. A morte de um familiar aparecia, intuitivamente, como uma forte razão. Descobriram que não era, exceto as mortes por suicídio. Ou seja, as pessoas, inclusive as bipolares, lidam com a morte de seres queridos, mas não com a morte por suicídio. O suicídio deixa uma esteira de sofrimento e pode levar a outros suicídios. 
Para os que crêem no espiritismo, os suicidas têm consciência da destruição que causaram: “E seu coração carinhoso pode avaliar com que lágrimas venho lavando o remorso de não ter pensado mais, diz Agar à mãe” E, há reconhecimento do perdão, ainda que não merecido: “todavia, também sei que sua alma generosa me perdoou setenta vezes sete vezes.”
Um perigo cerca as pessoas cuja vida ou profissão consiste em ajudar outras pessoas. São muitas profissões e atividades que caracterizam os caregivers. As doenças degenerativas e irreversíveis são as mais pesadas para quem cuida dos pacientes.  São muitas.
Devido à necessidade de cuidado permanente e à redução ou falta total de recursos, o tratamento pode começar nos hospitais, mas, esgotadas as economias, acaba ficando nas mãos da família, cujos membros não foram treinados para tal. A filha de um casal, Lisa, descreve como a saúde mental da mãe deteriorava pari passu com a saúde física do pai. Mais e mais deprimida, a mãe deu sinais, repetidas vezes, falando do seu desejo “de ir embora e não voltar nunca mais”. Expressão relacionada com fuga, deserção, mas também com suicídio. O que alertou Lisa para essa possibilidade foi o suicídio “inesperado” de um sobrinho. Tinha dado muitos sinais, mas ninguém viu. Lisa se conscientizou a partir daí. Leu, e aprendeu que os caregivers profissionais são aconselhados a tirar férias, fazem rotações e se afastam quando a barra fica pesada demais, mas os familiares têm pouca margem para manobra. Como tirar “férias” do pai, parceiro ou filha doente? O envolvimento de Lisa talvez tenha salvo a vida da mãe. Deu o alerta que faltava.
A construção de uma rede de proteção para detectar e tratar casos de depressão e de bipolaridade pode ser um dos procedimentos mais difíceis e necessários para tratar com esses problemas na população. Se os pacientes não buscam o tratamento, é importante que o tratamento busque o paciente.  Rihmer, Rutz e Pihlgren desenvolveram um programa na pequena ilha sueca de Gotland. Treinaram os agentes de saúde, inclusive médicos privados, a detectar os sintomas de bipolaridade e de depressão, tratando-os com medicamentos. O resultado foi uma expressiva baixa na taxa de suicídios femininos, mas não masculinos. Em muitos lugares programas preventivos reduziram significativamente as taxas. Idealmente, essa rede de detecção e proteção pode ser ampliada de maneira a incluir professoras, policiais, familiares e mais. Porém, o treinamento de todo o sistema de saúde para esse fim está muitas décadas de desenvolvimento institucional adiante de nós.
GLÁUCIO ARY DILLON SOARES
IESP/UERJ

Os animais ajudam os pacientes

Já sabemos que animais de estimação trazem benefícios para os que cuidam deles. Muitos estudos sugerem que pessoas com animais de estimação têm pressão mais baixa, níveis de estresse mais baixos, são mais felizes e se recuperam mais rapidamente de um ataque do coração, em comparação com os que não têm e não lidam com animais de estimação.
Essas práticas evoluíram, foram organizadas e até já ganharam nome técnico: animal-assisted therapy. Não é apenas ter um animal de estimação, porque o animal deve ser treinado para a função. A última evidência nesse sentido é das mais estranhas: 30 pessoas com depressão moderada ou leve foram divididas e um grupo teve dez sessões de uma hora nadando e brincando com golfilnhos. O outro nadou e brincou, mas sem golfinhos. As diferenças na redução dos sintomas foram estatisticamente significativas.
O comentarista agrega que poucos podem se dar ao luxo de ter e manter um golfinho de estimação (incluíndo laguinho etc….). Não obstante, não nos desesperemos! Uma pesquisa feita em Israel mostrou a utilidade de cachorros no tratamento da esquizofrenia. O grupo experimental fazia pouca coisa, e somente uma vez por semana: acariciava, alimentava, banhava etc. o cachorro – em dez sessões já havia uma relação entre pacientes e cachorros e os pacientes se preparavam para as sessões. O grupo controle não apresentou os mesmos resultados.Precisamos aprender mais a respeito dessa terapia, que promete ser muito útil e conveniente. O leitor pode buscar mais informações na Delta Society, http://www.deltasociety.org

Escrito por Gláucio Soares usando resumos de artigos

A consulta com o Dr. Meyers

A van, Ford 1993, equipada para acampar é confortável e agradável. É fácil de dirigir, exceto inicialmente, nos momentos em que tive que dar marcha à ré.
Entre a beleza do inverno e a preocupação da almaAs estradas pequenas, no inverno são bonitas. Infelizmente, a comida de beira de estrada é…a comida de beira de estrada. O estomago e o intestino sofrem durante a viagem e a dieta vai para o brejo.</span>
O estado de espírito de quem tem uma doença incurável e está indo a um médico deve variar muito. Eu consegui curtir parcialmente a viagem, mas ia com esperança. Na clínica, durante todo o tempo que passei lá (umas três horas) vi apenas um ou dois pacientes. Já deu para ver o grau de apreensão em um deles, fiel e importantemente acompanhado pela esposa ou companheira.
Mas não dá para para não curtir (um pouquinho, pelo menos) o visual de estradas pequenas, cercadas de árvores, no meio da neve.

Estrada e mais estrada

A chegada mostra uma casinha simpática, simples, com estacionamento para poucos carros. Não é uma operação industrial. Feita, como tantas casas (e universidades) americanas, de tijolinho aparente.


A chegada é marcada por uma placa simples. Depois de quase três dias na van (rebatizada de school bus) pelo meu filho, foi um alívio chegar ao lugar certo.

As estradas pequenas são mais bonitas

Aqui dentro vi um tipo de atendimento ao paciente muito diferente do usado nos Estados Unidos onde somos primeiro recebidos por uma enfermeira, que pesa, tira a pressão, temperatura etcx. Um primeiro e importante cuidado – a pressão é tirada duas vezes, além do que a enfermeira pergunta se essa é a pressão habitual. Ela mostra consciência da chamada “white coat syndrome”: a pressão aumenta na presença de médicos etc. Estava lá por 180, na segunda por 160 e eu aduzi que poderia reduzí-la em outros vinte pontos.
Visitei o AIDP no dia anterior, turbinado pela insegurança de não me perder, chegar atrazado, essas coisas. Uma das secretárias estava preparando o meu dossier. Quando cheguei no dia seguinte vi um senhor baixo, sem gordura para mostrar, de cabelos brancos estudando uns records que eu sabia serem os meus.

Perto, estradas menores, mais curvas e mais beleza

O Dr. Meyers é simpático, agradável. Me tratou com o respeito de quem tem uma doença grave, considerada incurável, que ele também teve ou tem.
Muitos dos suplementos que eu usava ele desaconselhou porque não confiava no fabricante. Traçou um plano de ação que consistia em me preparar para uma terapia hormonal(que deveria ser chamada de anti-hormonal) porque ela tem muitos efeitos colaterais. Há uma diferença em relação ao procedimento habitual, que consiste em iniciar a terapia e aconselhar o paciente a tomar essas e aquelas medidas: ela prepara o paciente e depois inicia a terapia – nos casos em que é possível esperar um pouco. É onde estou e é minha responsabilidade atingir as metas marcadas, ajudado por muitos remédios, mas com compromisso com uma dieta mediterrânea e muito exercício.

O AIDP - uma casinha desprentensiosa com estacionamento para poucos carros

Dr. Meyers me convenceu de algumas coisas, particularmente de que a relação custo/benefício da terapia hormonal pode ser menor e precisa de especificação. A duração do efeito dos tratamentos varia muito e varia de acordo com a doença do paciente e os procedimentos adotados anteriormente.
Os famosos 18 meses de atuação se referem com a próstata, metástase generalizada e que ainda tem a próstata. Análise patológica mostra que metade do crescimento do câncer depois da terapia se inicia na próstata. Nos casos em que houve metástase para os nódulos linfáticos e houve prostatectomia o efeito dura dez anos em 50% a 95% dos casos, dependendo do estudo e da publicação. No caso dos que preservaram a próstata em metade dos casos a terapia hormonal fracassa aos 7-8 anos.
Nos pacientes com metástase generalizada e com sintomas, o efeito é reduzido: em metade dos casos a doença volta a crescer em 8 a 9 meses.
A lição: dependendo do paciente, a duração dos benefícios da terapia hormonal varia de menos de oito a nove meses a mais de dez anos.
Continuarei relatando essa experiência para beneficiar o leitor. Porém, estou preocupado com um grande número de  leitores com acesso à internet mas sem capacidade analítica e com um nível educacional muito baixo. Pediria a cada um dos pacientes mais informados e seus familiares que divulgassem o conhecimento que adquiriram (rão) aqui e em outras fontes entre os que não conseguem entender o que escrevemos.

A placa que garante que chegamos ao lugar certo

Ir ao Dr. Meyers não sai barato. Ele não aceita o seguro tradicional do Medicare (tem um contrato de não aceitação) e custa 350 dólares por cada meia hora. Minha entrevista durou duas horas e o custo total foi de mil e quatrocentos dólares. Uma viagem que eu planejava foi para o espaço. Valeu a pena.


Depressão e suicídio entre idosos


Sabemos que a depressão e o suicídio aumentam com a idade. Essa é uma relação que se aplica à grande maioria dos países. Nos Estados Unidos, esses dois males estão crescendo. Reduções na ajuda e a recessão não ajudam – descem os rendimentos e sobem, com a idade, os gastos, sobretudo os gastos com a saúde. A taxa de suicídios de idosos (>=65) em 2006 foi 14,2. Ela é maior entre brancos e cresce com a idade. Entre brancos com >=85 anos a taxa atinge 48 suicídios por 100 mil pessoas – nível das taxas de homicídio nos piores estados brasileiros. A depressão acompanha. A depressão clínica em idosos comuns varia entre 1% e 5%, mas é muito maior entre os que estão tão doentes que necessitam hospitalização.

Os medicamentos reduzem os sintomas da depressão e, através deles, os suicídios. Reduzem, mas não acabam. Pior: os médicos não foram treinados para diagnosticar a depressão entre idosos ou acham que “é normal”. Esse lapso, freqüente, contribui para a taxa de suicídios. Pior ainda: muitos idosos “escondem” a depressão: dizem que estão bem quando não estão. Esses comportamentos reduzem a percentagem que se trata com remédios e/ou terapias verbais. Conseqüentemente, continuam deprimidos e muitos se suicidam.

Alguns idosos dificultam o trabalho de quem busca ajudar-los: não tomam os remédios, ou se esquecem de tomá-los. Rejeitam ajuda com o horário de tomar remédios. Comprovadamente, medicamentos e terapia ajudam idosos a controlar e reduzir a depressão. Uma pesquisa recente mostra que o uso dos reuptakers de serotonina ajudam e muito.

Não obstante, há remédios que aumentam o risco de suicídios entre idosos. O uso de sedativos aumenta o risco e um sedativo em particular aumentava esse risco em 14 vezes. Tratamento com remédios de tipo hipnótico multiplica por quatro o risco de suicídio.

Há quem defenda o suicídio de idosos, que o considere como uma opção legítima. Definem que vários fatores aumentaram tanto o peso e as dificuldades da vida que ela perdeu o sentido. Um sério problema com esse argumento é que muitos recuperam o sentido e a alegria de viver. Evidentemente, os que se suicidaram não podem dar essa volta por cima.

Há, no Brasil, pouca informação sobre os sinais de depressão e os avisos de suicídio. Precisamos treinar mais pessoas a percebê-los e a conscientizar os idosos a respeito das alegrias que muitos deles encontram na vida.



GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ


Se quiser saber mais sobre suicídios e a prevenção de suicídios, visite os seguintes blogs:

Religião e ansiedade

As pessoas ansiosas vivem menos, se suicidam mais e vivem pior. Reduzir a ansiedade é uma questão de saúde pública, embora isso pareça avançado demais para os que possuem uma visão tradicional da medicina. Políticas públicas que reduzem a ansiedade, elevam a qualidade da vida e, por caminhos indiretos, reduzem a mortalidade. Num país com arraigada tradição estatista como o Brasil é possível imaginar políticas públicas elaboradas para reduzir autoritariamente a ansiedade. Não funciona. Os caminhos são outros.
Há estilos de vida e instituições associadas com eles que reduzem a ansiedade. Uma dessas instituições é a religião. Porém, ao entrar nas pesquisas e nas “noções” comuns a respeito dessa relação, vemos que ela é contraditória. Há vinte anos, Frenz e Carey pesquisaram as relações entre religiosidade e ansiedade. Não encontraram qualquer relação. Cinco anos depois, Koenig, Ford, George, Blazer e Meador encontraram relações, mas intrincadas. Não eram lineares nem simples.
Mas, pensemos: há religiões e religiões, e também há religiosos e religiosos – bem diferentes. Talvez estas diferenças expliquem parte da confusão. Um passo para deslindar essa relação foi dado quando separaram as pessoas cuja religiosidade era “para fora” daquelas nas que a religiosidade era “para dentro”. A religião das primeiras era social, a das últimas era interna – e muito mais protetora.
Há outras tradições teóricas que são úteis: uma vê a religião como maneira de enfrentar problemas e dificuldades; a outra é psicanalítica e vê funções da religião na defesa do ego. Essas duas tradições teóricas vêem um efeito catártico das religiões.
Falta o comportamento. Ir a igrejas, templos, sinagogas etc. tem efeito sobre a ansiedade? Maltby tentou responder essa pergunta. Para evitar os efeitos que confundem quando são analisadas religiões diferentes, todas as pessoas que estudou são da Church of England. Aumentou a homogeneidade, mas reduziu a amostra – 83 pessoas. Aplicou um questionário a todas onde media a ansiedade com uma escala. Aplicou o questionário meia hora antes da chegada na igreja e meia hora depois da saída. Perguntou – diretamente – se ficavam ansiosos com as preparações para ir à igreja. Esse desenho controla a endogenia – o fato das pessoas irem mais ou menos à igreja de acordo com o seu grau de ansiedade. A pesquisa permitia ver qual o efeito.
O que ele encontrou? Ir à igreja aumenta, diminui ou não tem nada a ver com a ansiedade? O autor verificou que o nível de ansiedade antes de ir à igreja era 41 pontos e depois era 37: não foi uma queda dramática, mas é uma diferença estatisticamente significativa no nível de <0,05. Segundo o autor, esses resultados fortalecem a teoria da catarse.
Essas conclusões foram reforçadas por outros estudos. Joanna Maselko estudou as correlatas das mudanças no comportamento religioso da infância para a maturidade em mulheres. As que cessaram suas atividades religiosas tinham um risco três vezes maior (21% vs. 7%) de padecer de ansiedade generalizada e de alcoolismo do que as que continuaram com suas atividades religiosas. Nos homens, a redução ou cessação da atividade religiosa contribuía para outro tipo de problema, a depressão. Os efeitos foram piores entre mulheres. A explicação de Maselko é as mulheres tendem a ser mais integradas na comunidade religiosa e sentem mais os efeitos quando saem dela.
Na Universidade de Toronto houve uma pesquisa com metodologia diferente: visualizavam as áreas do cérebro cuja atividade aumentava com a ansiedade. Aplicaram testes cognitivos que produziam mais ansiedade nos não religiosos do que nos religiosos, particularmente se erravam as respostas.
O estudo das religiões e de suas relações com importantes aspectos da vida como a felicidade, a saúde mental e a criminalidade, é imprescindível. Não basta ficar repetindo o que autores clássicos escreveram há um século.
A variedade das religiões no Brasil, maior país católico do mundo, maior país espírita do mundo, país onde as igrejas evangélicas crescem rapidamente e onde há claras diferenças de classe e de nível educacional entre as religiões, além de uma participação ativa de algumas delas na política, requer que os pesquisadores as levem em sério e as incluam em suas análises de vários tipos de comportamento. As conseqüências de um fenômeno socialmente tão relevante precisam ser conhecidas e, para conhecê-las, é preciso pesquisá-las.

Religião e ansiedade

As pessoas ansiosas vivem menos, se suicidam mais e vivem pior. Reduzir a ansiedade é uma questão de saúde pública, embora isso pareça avançado demais para os que possuem uma visão tradicional da medicina. Políticas públicas que reduzem a ansiedade, elevam a qualidade da vida e, por caminhos indiretos, reduzem a mortalidade. Num país com arraigada tradição estatista como o Brasil é possível imaginar políticas públicas elaboradas para reduzir autoritariamente a ansiedade. Não funciona. Os caminhos são outros.
Há estilos de vida e instituições associadas com eles que reduzem a ansiedade. Uma dessas instituições é a religião. Porém, ao entrar nas pesquisas e nas “noções” comuns a respeito dessa relação, vemos que ela é contraditória. Há vinte anos, Frenz e Carey pesquisaram as relações entre religiosidade e ansiedade. Não encontraram qualquer relação. Cinco anos depois, Koenig, Ford, George, Blazer e Meador encontraram relações, mas intrincadas. Não eram lineares nem simples.
Mas, pensemos: há religiões e religiões, e também há religiosos e religiosos – bem diferentes. Talvez estas diferenças expliquem parte da confusão. Um passo para deslindar essa relação foi dado quando separaram as pessoas cuja religiosidade era “para fora” daquelas nas que a religiosidade era “para dentro”. A religião das primeiras era social, a das últimas era interna – e muito mais protetora.
Há outras tradições teóricas que são úteis: uma vê a religião como maneira de enfrentar problemas e dificuldades; a outra é psicanalítica e vê funções da religião na defesa do ego. Essas duas tradições teóricas vêem um efeito catártico das religiões.
Falta o comportamento. Ir a igrejas, templos, sinagogas etc. tem efeito sobre a ansiedade? Maltby tentou responder essa pergunta. Para evitar os efeitos que confundem quando são analisadas religiões diferentes, todas as pessoas que estudou são da Church of England. Aumentou a homogeneidade, mas reduziu a amostra – 83 pessoas. Aplicou um questionário a todas onde media a ansiedade com uma escala. Aplicou o questionário meia hora antes da chegada na igreja e meia hora depois da saída. Perguntou – diretamente – se ficavam ansiosos com as preparações para ir à igreja. Esse desenho controla a endogenia – o fato das pessoas irem mais ou menos à igreja de acordo com o seu grau de ansiedade. A pesquisa permitia ver qual o efeito.
O que ele encontrou? Ir à igreja aumenta, diminui ou não tem nada a ver com a ansiedade? O autor verificou que o nível de ansiedade antes de ir à igreja era 41 pontos e depois era 37: não foi uma queda dramática, mas é uma diferença estatisticamente significativa no nível de <0,05. Segundo o autor, esses resultados fortalecem a teoria da catarse.
Essas conclusões foram reforçadas por outros estudos. Joanna Maselko estudou as correlatas das mudanças no comportamento religioso da infância para a maturidade em mulheres. As que cessaram suas atividades religiosas tinham um risco três vezes maior (21% vs. 7%) de padecer de ansiedade generalizada e de alcoolismo do que as que continuaram com suas atividades religiosas. Nos homens, a redução ou cessação da atividade religiosa contribuía para outro tipo de problema, a depressão. Os efeitos foram piores entre mulheres. A explicação de Maselko é as mulheres tendem a ser mais integradas na comunidade religiosa e sentem mais os efeitos quando saem dela.
Na Universidade de Toronto houve uma pesquisa com metodologia diferente: visualizavam as áreas do cérebro cuja atividade aumentava com a ansiedade. Aplicaram testes cognitivos que produziam mais ansiedade nos não religiosos do que nos religiosos, particularmente se erravam as respostas.
O estudo das religiões e de suas relações com importantes aspectos da vida como a felicidade, a saúde mental e a criminalidade, é imprescindível. Não basta ficar repetindo o que autores clássicos escreveram há um século.
A variedade das religiões no Brasil, maior país católico do mundo, maior país espírita do mundo, país onde as igrejas evangélicas crescem rapidamente e onde há claras diferenças de classe e de nível educacional entre as religiões, além de uma participação ativa de algumas delas na política, requer que os pesquisadores as levem em sério e as incluam em suas análises de vários tipos de comportamento. As conseqüências de um fenômeno socialmente tão relevante precisam ser conhecidas e, para conhecê-las, é preciso pesquisá-las.

Religião e ansiedade

As pessoas ansiosas vivem menos, se suicidam mais e vivem pior. Reduzir a ansiedade é uma questão de saúde pública, embora isso pareça avançado demais para os que possuem uma visão tradicional da medicina. Políticas públicas que reduzem a ansiedade, elevam a qualidade da vida e, por caminhos indiretos, reduzem a mortalidade. Num país com arraigada tradição estatista como o Brasil é possível imaginar políticas públicas elaboradas para reduzir autoritariamente a ansiedade. Não funciona. Os caminhos são outros.
Há estilos de vida e instituições associadas com eles que reduzem a ansiedade. Uma dessas instituições é a religião. Porém, ao entrar nas pesquisas e nas “noções” comuns a respeito dessa relação, vemos que ela é contraditória. Há vinte anos, Frenz e Carey pesquisaram as relações entre religiosidade e ansiedade. Não encontraram qualquer relação. Cinco anos depois, Koenig, Ford, George, Blazer e Meador encontraram relações, mas intrincadas. Não eram lineares nem simples.
Mas, pensemos: há religiões e religiões, e também há religiosos e religiosos – bem diferentes. Talvez estas diferenças expliquem parte da confusão. Um passo para deslindar essa relação foi dado quando separaram as pessoas cuja religiosidade era “para fora” daquelas nas que a religiosidade era “para dentro”. A religião das primeiras era social, a das últimas era interna – e muito mais protetora.
Há outras tradições teóricas que são úteis: uma vê a religião como maneira de enfrentar problemas e dificuldades; a outra é psicanalítica e vê funções da religião na defesa do ego. Essas duas tradições teóricas vêem um efeito catártico das religiões.
Falta o comportamento. Ir a igrejas, templos, sinagogas etc. tem efeito sobre a ansiedade? Maltby tentou responder essa pergunta. Para evitar os efeitos que confundem quando são analisadas religiões diferentes, todas as pessoas que estudou são da Church of England. Aumentou a homogeneidade, mas reduziu a amostra – 83 pessoas. Aplicou um questionário a todas onde media a ansiedade com uma escala. Aplicou o questionário meia hora antes da chegada na igreja e meia hora depois da saída. Perguntou – diretamente – se ficavam ansiosos com as preparações para ir à igreja. Esse desenho controla a endogenia – o fato das pessoas irem mais ou menos à igreja de acordo com o seu grau de ansiedade. A pesquisa permitia ver qual o efeito.
O que ele encontrou? Ir à igreja aumenta, diminui ou não tem nada a ver com a ansiedade? O autor verificou que o nível de ansiedade antes de ir à igreja era 41 pontos e depois era 37: não foi uma queda dramática, mas é uma diferença estatisticamente significativa no nível de <0,05. Segundo o autor, esses resultados fortalecem a teoria da catarse.
Essas conclusões foram reforçadas por outros estudos. Joanna Maselko estudou as correlatas das mudanças no comportamento religioso da infância para a maturidade em mulheres. As que cessaram suas atividades religiosas tinham um risco três vezes maior (21% vs. 7%) de padecer de ansiedade generalizada e de alcoolismo do que as que continuaram com suas atividades religiosas. Nos homens, a redução ou cessação da atividade religiosa contribuía para outro tipo de problema, a depressão. Os efeitos foram piores entre mulheres. A explicação de Maselko é as mulheres tendem a ser mais integradas na comunidade religiosa e sentem mais os efeitos quando saem dela.
Na Universidade de Toronto houve uma pesquisa com metodologia diferente: visualizavam as áreas do cérebro cuja atividade aumentava com a ansiedade. Aplicaram testes cognitivos que produziam mais ansiedade nos não religiosos do que nos religiosos, particularmente se erravam as respostas.
O estudo das religiões e de suas relações com importantes aspectos da vida como a felicidade, a saúde mental e a criminalidade, é imprescindível. Não basta ficar repetindo o que autores clássicos escreveram há um século.
A variedade das religiões no Brasil, maior país católico do mundo, maior país espírita do mundo, país onde as igrejas evangélicas crescem rapidamente e onde há claras diferenças de classe e de nível educacional entre as religiões, além de uma participação ativa de algumas delas na política, requer que os pesquisadores as levem em sério e as incluam em suas análises de vários tipos de comportamento. As conseqüências de um fenômeno socialmente tão relevante precisam ser conhecidas e, para conhecê-las, é preciso pesquisá-las.

Insonia e depressão entre cancerosos

Sabemos pouco sobre as consequências psicológicas do câncer da próstata. Uma pesquisa piloto foi feita pelo College of Nursing and Healthcare Innovation, na Arizona State University.
Com apenas 51 pacientes, a pesquisa é mais sugestiva do que demonstrativa. Sugere, mas não conclui. Preencheram questionários que incluíam escalas padronizadas, como as Insomnia Severity Index, Center for Epidemiologic Studies-Depression Scale, e a Impact of Event Scale.
O que dizem os resultados? Que muitos pacientes tinham insonia e uma depressão de nível moderado e alguns em níveis muito altos. Com base em estudos em outras populações, se esperava uma correlação entre insonia e depressão.
Há correlações estatisticamente significativas entre insonia, depressão e distress. Quem sofria de uma tendia a sofrer das demais. Infelizmente, a pesquisa não examinou essas relações em subpopulações divididas de acordo com a seriedade da doença, nem com o tratamento seguido.
Os resultados mostram, mais uma vez, que os pacientes de câncer sofrem de outros tipos de transtornos mentais que merecem atenção e tratamento.
Fonte: Appl Nurs Res. 2009 Aug;22(3):154-158.


GLÁUCIO SOARES               IESP-UERJ


Se quiser saber mais sobre o câncer da próstata, visite os seguintes blogs:

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Insonia e depressão entre cancerosos

Sabemos pouco sobre as consequências psicológicas do câncer da próstata. Uma pesquisa piloto foi feita pelo College of Nursing and Healthcare Innovation, na Arizona State University.

Com apenas 51 pacientes, a pesquisa é mais sugestiva do que demonstrativa. Sugere, mas não conclui. Preencheram questionários que incluíam escalas padronizadas, como as

Insomnia Severity Index, Center for Epidemiologic Studies-Depression Scale, e a Impact of Event Scale.

O que dizem os resultados? Que muitos pacientes tinham insonia e uma depressão de nível moderado e alguns em níveis muito altos. Com base em estudos em outras populações, se esperava uma correlação entre insonia e depressão.

Há correlações estatisticamente significativas entre insonia, depressão e distress. Quem sofria de uma tendia a sofrer das demais. Infelizmente, a pesquisa não examinou essas relações em subpopulações divididas de acordo com a seriedade da doença, nem com o tratamento seguido.

Os resultados mostram, mais uma vez, que os pacientes de câncer sofrem de outros tipos de transtornos mentais que merecem atenção e tratamento.

Fonte: Appl Nurs Res. 2009 Aug;22(3):154-158.

Os cânceres estão sendo diagnosticados mais cedo

Pesquisadores se perguntaram como responderam os pacientes mais jovens ao tratamento contra o câncer da próstata. Usaram um database com homens que tinham de 35 a 74 anos quando foram diagnosticados, num total de 318.774 pacientes. Primeiro, graças aos exames de PSA os homens jovens  (de 55 anos ou menos) aumentaram sua participação de 2,3% para 9%. Cânceres que só seriam diagnosticados mais tarde, quando estivessem mais avançados, foram diagnosticadsos. A mediana da idade dos diagnosticados diminuiu de 72 para 68 anos. Mesmo assim, os mais jovens ainda foram diagnosticados com cânceres confinados. O tratamento seguiu a idade: homens mais velhos ou não receberam tratamento local ou receberam radioterapia em percentagens mais altas do que os jovens. A sobrevivência foi menor entre os mais idosos nos tumores com Escores Gleason intermediários (5 a 7). Porém, entre os cânceres com Gleasons mais altos os mais jovens tinham sobrevivência menor. É uma hipótese que os testes usados não diferenciaram bem entre os cânceres agressivos e que os dos homens mais jovens eram mais agressivos, embora isso não aparecesse nas medidas convencionais.

A idade no diagnóstico continua caíndo, graças aos exames mais frequentes e começados mais cedo, e isso é bom.

Fonte: Cancer. 2009 Jul 1;115(13):2863-71.