Obama e os católicos

O apoio à candidatura de Obama tem crescido entre os eleitores católicos nos Estados Unidos. Há surveys que acompanham o apoio dado pelos candidatos aos diferentes candidatos, em diferentes níveis.

No dia 17 de junho houve um desses surveys e o resultado era, praticamente, um empate (49 a 47 para Obama, dentro da margem de erro).

Mas em três meses, Romney deu muitas mancadas e a diferença agora é bem maior, 54 a 39%. Como os mais pobres, que votam menos, favorecem Obama do que católicos ricos, e os pobres votam menos, entre os americanos registrados para votar a diferença é um pouco menor, Obama está nove pontos na frente, 51% a 42%. Quem levou a pesquisa a cabo, a Pew, está acima de qualquer suspeita.

Entre os católicos brancos, há um empate; entre os católicos de minorias, a cor da pele e a etnia pesam e Obama ganha com certa facilidade.  

A hierarquia católica não apoia Obama. Os bispos se reuniram há dois meses para protestar contra uma decisão de Obama de exigir que até as instituições religiosas, como hospitais e universidades, dessem camisinhas e outros contraceptivos aos seus empregados se eles ou elas o pedissem.

Não obstante, as questões religiosas não são, até o momento, as questões que decidem o voto. As questões econômicas pesam mais.

Romney elegeu um católico muito conservador, Ryan, para a Vice-presidência, mas parece ter exagerado a mão. Atraiu alguns extremistas, mas arrepiou a maioria dos católicos. É preciso não esquecer que o Vice de Obama, Joe Biden, também é católico.  

 

Gláucio Soares                   IESP/UERJ

A DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS


          Mário Juruna, Agnaldo Timóteo, Saturnino Braga, César Maia, Marcello Alencar e Waldir Pires. O que há de comum entre esses homens? A qualidade política varia muito entre eles, desde Juruna e Agnaldo Timóteo, que todos gostaríamos de esquecer, até os demais, que comandaram o respeito de amplos setores da população dos seus respectivos estados. Não há muito em comum, exceto o fato de que todos eles, assim como muitos outros políticos brasileiros, receberam votações substanciais, militaram no PDT e terminaram não encontrando espaço dentro do partido para as suas posições e, na medida em que cresceram, chocaram-se com o partido ou com o seu caudilho fundador, Brizola. Em um momento, foram elogiados por Brizola e, em outro, vilipendiados por ele. Se acreditarmos nas palavras com que Brizola os recebeu no PDT, eram pessoas honestas, políticos capazes e eficientes mas, posteriormente, Brizola alegou que eram muito ruins. Ficamos sem saber em qual dos dois Brizolas acreditar. Se fossem tão ruins, o PDT não teria mecanismos de seleção: entraria qualquer um. A explicação de que mudaram, de que eram “traidores”, aplicada a tantas pessoas, tão diferentes entre si, não convence. Estatisticamente, é uma improbabilidade. Seria coincidência demais. A prudência científica indica que o problema não é a traição dos muitos, mas o caudilhismo do um. Assim, a irônica história do PDT se resumia a ganhar eleições e perder os eleitos…

          Muitos brasileiros estão engajados na construção da democracia, mas um obstáculo no caminho da democracia nacional é a falta de democracia nos partidos. O PDT é, apenas, um dos partidos que teve sérios problemas de democracia interna, que prejudicaram o partido e a própria democracia brasileira.

          O caudilhismo e a falta de democracia interna nos partidos não são novidade, nem invenção brasileira. Estavam entre as principais preocupações dos teóricos do século XIX e início deste, como Ostrogorski, Weber e Michels. Não houve a esperada relação íntima entre a ideologia externa, de esquerda, democrática, do partido e a sua democracia interna. Michels, social-democrata, reclamava da ausência de democracia no partido, no mesmo partido que lutava pela democracia na sociedade, e atribuía isso à manipulação da burocracia partidária pela oligarquia. Michels chegou a falar numa lei de ferro da oligarquia. O PCURSS não dispunha de mecanismos democráticos internos que permitissem a substituição democrática e pacífica dos líderes. Alguns líderes comunistas estão entre os chefes de estado que mais duraram no poder; Cuba e a Coréia do Norte mais parecem monarquias hereditárias do que regimes comunistas. Nos países comunistas, as formas mais comuns de substituição dos chefes partidários eram a morte, nem sempre morrida, a senilidade, e o golpe palaciano. Não havia, nem há, mecanismos institucionais para substituir lideres.    

          A falta de democracia esteve sempre presente na política brasileira e também não se correlaciona com a orientação ideológica do partido. Maria Celina Soares D’Araújo analisou o antigo PTB, demonstrando que as elites dirigentes nacionais usavam os instrumentos burocráticos do partido para eliminar lideranças que lhes fizessem sombra. As convenções eram convocadas irregularmente, quase sempre com o propósito de eliminar ou punir lideranças competitivas. O poder de angariar votos não contava para os burocratas do partido. O diretório nacional se imiscuiu constantemente nas seções estaduais, particularmente na de São Paulo, e o PTB, partido trabalhista, nunca se destacou eleitoralmente em São Paulo, o maior celeiro de operários do Brasil. Nomes com cacife eleitoral como Adhemar de Barros e Jânio Quadros jamais encontraram um nicho no PTB. Hugo Borghi, máquina de obter votos, foi expulso duas vezes. A semelhança com o PDT dos tempos de Brizola é forte demais para ser casual. Temos que considerar a hipótese de que a origem do PTB o condenou a ser vítima do caudilhismo gaúcho. Foi dominado por Getúlio Vargas e sua família, por João Goulart e por Leonel Brizola, todos gaúchos, todos caudilhos.

          Já no PSD, rural, ideologicamente conservador, o voto era soberano, como demonstrou Lúcia Hippólito. Quem tinha voto, tinha voz e influência. A UDN, reacionária, apoiava golpes no plano nacional, mas realizava as suas convenções religiosamente e substituía normalmente as lideranças, agindo democraticamente no plano intra-partidário, como bem descreveu Maria Vitória Benevides.

          O PDT era um exemplo extremo de oligarquia partidária porque a oligarquia era personalizada, mas a falta de democracia interna existiu e existe em outros partidos e regimes. Um indicador de que há perigo de personalização é a vinculação necessária entre o partido e um líder; em casos extremos, o partido ou movimento toma até o nome do líder, como no caso de Perón, cujos seguidores eram muito mais conhecidos como peronistas do que como justicialistas. Na maior parte dos casos, os partidos personalizados sobem e baixam com os líderes, sendo um exemplo relativamente recente o PRN, fundado por Collor para servir de apoio e, por isso, fadado à insignificância ou ao desaparecimento; a história política da América Latina está repleta de exemplos. Entretanto, há casos em que o partido ou o movimentosobreviveu ao líder, como o próprio peronismo. Recentemente, o continente observa um divórcio entre líderes populistas de alta visibilidade e os partidos que, da penumbra, os apóiam. Esse divórcio está muito presente na mídia internacional., que privilegia indivíduos sobre os partidos. Muitos mais ouviram, leram e viram noticias sobre Chávez, Lugo, Morales, Correa ou, para colocar uma liderança conservadora, Uribe, mas poucos fora do país sabem sequer o nome dos seus partidos, sua história, ou nomes de outros quadros. Os lideres, populistas, ou eclipsaram seus partidos ou os partidos nunca tiveram uma existência significativa.

          Porém, as ameaças à democracia interna dos partidos não vem, apenas, de líderes e famílias oligárquicas, de direita ou de esquerda. O PT, quebrando a tradição da oligarquização interna dos partidos de esquerda, começou sua vida como partido com uma organização mais democrática, embora o furor punitivo de algumas tendências inicialmente comprometesse esse ideal.  A esquerda radical parece ter uma vocação para os expurgos e as expulsões. Infelizmente, os princípios que provocaram o furor punitivo foram abandonados pelo partido, que vendeu a alma à corrupção e à teoria da governabilidade – que antes de subir ao poder criticara violentamente. (obviamente, não favoreço as expulsões, mas sim os princípios). A democracia interna, exigindo lealdade, não obstante permite variações de opinião: onde vence a maioria, são respeitados os direitos das minorias. Sem esse respeito, não há democracia, há ditadura da maioria. A correta preocupação de Wanderley Guilherme dos Santos, em assegurar o direito à representação das minorias nacionais, também se aplica às minorias dentro dos partidos. O respeito aos direitos das minorias, evidentemente, não deve ser confundido com ausência de lealdade partidária mas, por sua vez, a lealdade partidária não significa fechar a questão a respeito de tudo, nem exigir conformidade com o que não seja questão de princípio, como fazia o antigo PTB.  Um perigo, presente em muitas organizações , é transformar conveniências pessoais em principios da organização. Não é fácil evitar a anarquia interna, sem cair na ditadura da maioria ou de uma oligarquia que age em seu nome.

          O poder e as instituições afetam a democracia interna dos partidos. Uma vez no governo, o partido muda. No Brasil, Lula eclipsou o PT. O apoio a Lula é muito grande, mas o apoio ao PT e outros petistas é moderado.  A mídia destaca Lula e esquee o PT. A correlação espacial entre a força eleitoral de Lula e a do PT, em 2006, foi nula. Eleitoralmente, os dois estão divorciados. O PT não dispõe nem de nomes adequados para substituir Lula, com suficiente name recognition (nomes de líderes partidários que são conhecidos e eleitoralmente fortes). Além disso, não esqueçamos  de que um partido grande é uma organização, com divisões, diretórios etc., que podem ter subdivisões hierarquizadas e as posições no governo exercem forte influência nos partidos. Alguns partidos são parcialmente fragmentados “desde fora”: um exemplo relativamente recente foi o da Casa Civil, chefiada por pessoa que, segundo seus críticos, tinha personalidade e ideologia stalinistas, e por isso rachou o PT, enfraquecendo-o. 

          Não há maneira de garantir a democracia interna dos partidos. A participação das bases e a mobilização dos simpatizantes, um sistema ampliado de convenções e de eleições primárias, podem ajudar. Entretanto, muitos destes esforços institucionais esbarram tanto na apatia e na falta de participação da militância e dos simpatizantes quanto nas ações excludentes da oligarquia partidária. Há também, partidos eleitoralmente fortes, mas com militância reduzida. Os “partidos dos notáveis” são assim. O PSDB talvez se aproxime desse modelo.

          Assim, ironicamente, no Brasil e em muitos outros países, os partidos, instrumentos essenciais da democracia moderna, freqüentemente se caracterizam por serem internamente oligárquicos e nada democráticos. Alguns estudiosos e legisladores, preocupados com o tema, propõem impor a democracia aos partidos “na marra”, através de legislação. Durante o regime militar, foi promulgada a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, um primor de burocratismo político-autoritário, com centenas de artigos. Claro, o institucionalismo ensina que há instituições que facilitam a anarquia partidária. A  falta de obstáculos à migração partidária e a definição do mandato como pertencente ao eleito e não ao partido que o elegeu são dois exemplos. Não obstante, a democracia tem que ser querida, não pode ser imposta. É necessário resistir à tentação de impor autoritariamente a democracia aos partidos. Os partidos é que tem que se democratizar; ninguém pode fazer isso por eles. E é necessário que o façam porque é grande a contradição de uma democracia nacional que esteja construída encima de partidos internamente anti-democráticos.

          O tempo e a continuidade democrática são os grandes instrumentos de aperfeiçoamento democrático, e o salvacionismo o seu grande inimigo. No Brasil, a maioria dos atuais partidos existe há poucas décadas, em contraste com mais de um século em alguns países. Os partidos que não são internamente democráticos, seja porque as maiorias são intolerantes, seja porque são instrumentos de caudilhos, terminam por afastar os melhores quadros. É uma questão de tempo. Com continuidade democrática e institucional, os partidos oligárquicos se enfraquecem: o seu paradoxo é parecido com o da indústria do fumo que tem que, continuamente, atrair novos fumantes, porque mata os seus melhores clientes.

Por Gláucio Ary Dillon Soares

Publicado no Jornal do Brasil, de 16 de agosto de 2009