Bilhões contra centavos

Algumas das bandeiras levantadas pelos manifestantes, que estavam presentes nas redes sociais há tempos, se referem à conveniência (ou não) de realizar copas e olimpíadas quando faltam recursos para a infraestrutura, o transporte, a educação e a saúde. Porém, há outros pontos relacionados aos eventos esportivos internacionais que o Brasil sedia e sediará que são perturbadores e podem levantar novas bandeiras e alimentar novas manifestações. 

As reivindicações são sociais e políticas, ainda que apartidárias e a grande maioria dos milhões de manifestantes defende o que já foi chamado de “uma nova democracia”, com níveis muito altos de participação. É um contraste com o caráter autocrático de muitas organizações esportivas e com os problemas de corrupção nas relações entre elas e os países sede. É um ninho de vespas esperando ser tocado. 
A FIFA é uma organização autocrática? Julgue você: ela foi fundada em 1904 e teve oito presidentes até agora, com uma permanência média de 13,6 anos no poder. É muito. Jules Rimet, cujo nome foi dado à primeira taça das Copas Mundiais, presidiu a FIFA durante 33 anos. Três morreram na presidência. A democracia requer mandatos fixos e limites na permanência no poder. 
A presidência da FIFA revela sua origem eurocêntrica. Dos oito presidentes, sete eram ou são europeus. Nosso conhecidíssimo João Havelange, até agora, é a única exceção. Teve o inegável mérito de globalizar o futebol e a FIFA, contra, diga-se de passagem, os protestos de muitos europeus. Porém, ele também teve um extenso reinado, de 24 anos, marcado por acusações de corrupção. O atual presidente, Blatter, assumiu em junho de 1998. Já completou quinze anos na presidência. 
Esse caráter autocrático, com concentração de poder e número ilimitado de reeleições, marca muitas associações esportivas, nacionais e internacionais. Havelange, quando presidiu a CBF, permaneceu 23 anos. Roberto Teixeira, que saiu há pouco, outros 23. E há problemas de nepotismo. Ricardo Teixeira foi casado com a filha de João Havelange, Lúcia. Outras organizações esportivas, nacionais e internacionais, também se caracterizam por extensas permanências dos que ocupam os cargos mais altos e por empregar parentes e amigos de seus presidentes ou diretores.
O descompasso com o principio democrático não é de hoje, nem é peculiar à FIFA. Organizações internamente autocráticas convivem mal com países democráticos. Segundo o The Sun, Jérôme Valcke, Secretário Geral da FIFA, afirmou que era mais fácil lidar com um líder forte, como Putin, do que com países democráticos, como a Alemanha. Talvez seja, apenas, uma constatação. Há receios de que expresse uma preferência. Blatter foi mais longe: afirmou que a Copa de 1978, na Argentina, foi uma forma de reconciliar os argentinos com o sistema político. Como sabemos, era uma ditadura militar. No dia 2 de outubro de 1968, ocorreu um massacre em Nonoalco-Tlatelolco, no México. Havia uma manifestação, como as que ocorrem no Brasil, lideradas por jovens. As forças repressivas abriram fogo. As estimativas do número de mortos variam entre 30 e 300. Alguns dias depois do massacre o México sediou as Olimpíadas e, em 1970, ainda presidido por Diaz Ordaz, a Copa. As Olimpíadas de 2008 foram realizadas em Beijing, a despeito de conflitos no Tibete e de uma proibição de filmar na Praça Tiananmen, palco de enfrentamento entre populares pró-democratização e o governo chinês em 1989. É difícil estimar o número de mortos nesse tipo de acontecimento; as estimativas são de cinquenta policiais e de 400 a 800 civis. Não obstante, a estimativa do correspondente Jan Wong é mais alta, cerca de três mil. Evidentemente, a transferência de uma Olimpíada ou de uma Copa do Mundo tem sérias consequências econômicas e acarreta desprestígio politico; diante desses fatores, o principio democrático cede lugar às conveniências políticas e econômicas. 

Alguns desses problemas são debatidos no mundo dos esportes. Os presidentes das associações dinamarquesa e alemã, Allan Hansen e Wolfgang Niersbach, criticaram a recusa da FIFA em discutir temas como a idade limite e a duração dos mandatos. 
Os presidentes e altos funcionários ficaram e ficam por abnegação? Por altruísmo? 
É difícil acreditar que seja somente por altruísmo. Ninguém sabe quanto ganha Blatter. A FIFA não revela. Em maio deste ano, Mark Pieth, um advogado suíço, exigiu que a FIFA revelasse o quanto ganham os membros da sua hierarquia. Segundo a organização The Richest (http://www.therichest.org/) o patrimônio de Blatter seria de dez milhões de dólares; Blatter teria admitido que seu salário era £598,000 em 2010, cerca de dois milhões de reais ao cambio de hoje. 
A FIFA vive de eventos. Uma estimativa nos dá 87% das suas receitas neste quesito. Tem deixado a receita das entradas e ingressos para o país sede. Ajudou a África do Sul com 500 milhões de dólares, muito pouco, considerando os gastos do país com a construção e a reconstrução de estádios, a custosa melhoria dos transportes para os estádios, aeroportos e áreas de turismo, e segurança. O New York Times, no dia 20 de junho, foi enfático ao afirmar que “nem a FIFA nem o Comitê Olímpico Internacional financiam os estádios multibilionários, nem pagam pela infraestrutura, o policiamento… Mas são a FIFA e o COI que [recebem] os bilhões da receita das televisões.” Até os direitos televisivos e de marketing são reservados para a FIFA. Eles são o filão das copas. Quanto rendem? Bilhões, e a FIFA fica com eles. Assinou um contrato com a ABC/ESPN para a transmissão de seus eventos de 2007 a 2014 somente na língua inglesa: 425 milhões. É um monopólio assegurado pela LEI Nº 12.663 de 5/6/2012, Seção III, Art. 12: “A FIFA é a titular exclusiva de todos os direitos relacionados às imagens, aos sons e às outras formas de expressão dos Eventos, incluindo os de explorar, negociar, autorizar e proibir suas transmissões ou retransmissões”. Lei brasileira garantindo a uma organização internacional o monopólio de rendas relacionadas com eventos acontecidos no país. 
O orçamento da FIFA para 2011-2014 estima uma receita de quase quatro bilhões de dólares. Feliz com esses resultados, Blatter aumentou a contribuição da FIFA para as seis confederações regionais: dois milhões e meio para cada uma. Aumento pequeno. Quinze milhões, no total, ou menos de meio por cento do mencionado orçamento. Agregue-se a essa “magnífica esmola”, outras, bem menores, de 250 mil dólares para cada federação ou confederação nacional.
Há uma contradição entre o caráter autocrático da FIFA, as frequentes acusações de corrupção a seus próceres, suas altas receitas, os salários não revelados dos seus dirigentes, a sua conivência com regimes repressivos, a sua insensibilidade em relação às pesadas consequências sociais de gastos desnecessários, de um lado, e os ideais modestos, socialmente igualitários, contra a corrupção e de construção, talvez ingênua, de uma nova democracia, dos manifestantes fora dos estádios. 

GLÁUCIO SOARES

 

 

Salvando Vidas

SALVANDO VIDAS

 

Quais os efeitos do Estatuto do Desarmamento? Afinal, as mortes por armas de fogo aumentaram, diminuíram ou não mudaram com o Estatuto?  

O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) provocou um debate que se prolonga até hoje; o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, também. No Brasil, como nos Estados Unidos e outros países, um dos pontos mais discutidos e menos demonstrados do debate era o dos efeitos da legislação de controle das armas.

Infelizmente, essa discussão está repleta de afirmações gratuitas. Para chegar a qualquer conclusão válida, precisamos de uma comparação. Comparar o quê? Como era antes do Estatuto e como ficou depois dele.

Para fazer essa avaliação, precisamos de começar no início. Examinando os melhores dados que temos, a que conclusões chegamos?

1 – A primeira, que ressalta aos olhos, é a de que matamos um grande número de brasileiros com armas de fogo – mais de oitocentos mil, de 1979 a 2010. 806.650, para sermos exatos. Equivale a exterminar toda a população de uma cidade como Natal ou Teresina. Ou vaporizar as cidades de Caxias do Sul, Canoas e Alegrete, somadas. Ou a matar toda a população de São Leopoldo cada cinco anos e poucos meses.

2 – Por que começar em 1979? Porque foi o primeiro ano para o qual foram compiladas estatísticas nacionais. As estatísticas começam em 1979.

3 – Por que terminar em 2010? Porque foi o último ano para o qual as estatísticas estão completas. As de 2011 estão incompletas e o ano de 2012 ainda não terminou.

4 – Qual foi a tendência durante esse período como um todo, que vai de 1979 até 2010? Ao crescimento, com algumas variações e mudanças importantes. O número de mortes aumentou 1.152 por ano, a partir de 6.206.

5 – Por que a partir de 6.206? Porque as estatísticas começaram em 1979, mas as mortes vieram de muito antes. A interseção é 6.206. O ajuste entre essa previsão e a realidade foi quase exato. Usando essa fórmula chegaríamos à estimativa de que em 1988 haveria 17.136 mortes; a cifra real foi 16.573, 563 a menos do que o previsto. Os dados do período 1979 a 2010 permitem explicar 97% da variância, errando em apenas 3%. As mortes violentas por projéteis de armas de fogo (PAFs) são um fenômeno estável e previsível.

O aumento, não obstante, era na direção daquilo em que se transformou: uma catástrofe do quotidiano que, no final do período, estava matando perto de quarenta mil brasileiros TODOS os anos.

6 – Estável não significa imutável. Houve alguma modificação nesse ritmo da morte? Houve duas: o número de mortes empinou, piorou, a partir de 1999. Em poucos anos, o número anual de mortes aumentou em oito mil!

7 – Houve alguma melhoria? Houve. Esse aumento e os altos níveis de violência conscientizaram o país e sua elite política de que era preciso mudar. Em 2003 foi promulgado O Estatuto do Desarmamento. As cifras da morte baixaram a partir daí, cresceram devagar.

8 – Como calcular o efeito do Estatuto? Comecemos mostrando como NÃO calcular o efeito. Se escolhermos como base um ano ou período particularmente baixo estaremos viciando o resultado, aumentando artificialmente a tendência a ver aumentos no número de mortes; se fizermos o contrário, escolhendo como base  um ano ou período com muitas mortes introduziremos o viés oposto. A fonte de dados com melhor cobertura, a mais usada e a mais testada sobre mortes no Brasil é o Sistema de Informações sobre Mortalidade, o “SIM”, elaborado anualmente pelo Ministério da Saúde. Até 1995 o SIM usava uma classificação chamada de CID 9 mas, a partir daquele ano, a Organização Mundial da Saúde, OMS, passou a usar o código chamado de CID 10. O CID 10 é um pouco mais detalhado e apresenta algumas diferenças em relação ao CID 9. Algumas análises, preocupadas com a exatidão, separam os dois períodos. Durante este período, houve, também, uma campanha que estimulou a população a entregar as armas que estavam sob sua guarda. Em 2004 o governo federal lançou a primeira Campanha Nacional do Desarmamento, que, em menos de dois anos, recolheu mais de 450 mil armas de fogo.

9 – Como medir os efeitos do Estatuto e das medidas associadas com ele?

Precisamos de um “antes” e de um “depois”. Tomando por base todos os anos do CID 10, vemos que morreram por PAF (projéteis de armas de fogo) 26.481 brasileiros em 1996; 27.753 em 1997; 30.211 em 1998; 31,198 em 1999; 34.985 em 2000; 37.122 em 2001 e 37.979 em 2002, ano anterior ao Estatuto. As mortes por PAF aumentaram em mais de duas mil por ano (2.072) até 2002, inclusive. Esse foi um período de crescimento acelerado do número de mortes. Sem modificações como o Estatuto, qual a previsão que poderia ser feita para os anos posteriores ao Estatuto, seguindo a progressão anterior a ele? Seriam 42.123, em 2004;44.195;46.267;48.339;50.411;52.483;54.555,de 2005 a 2010, respectivamente. Devido ao crescimento observado antes do Estatuto, mais de 200 mil brasileiros seriam mortos pelas armas de fogo.


10 – E com o Estatuto? O crescimento observado baixou dramaticamente, de 2.072 para 203 por ano, salvando mais de mil e oitocentas vidas por ano!

A prevenção de acidentes, quando feita por pessoas muito bem treinadas e competentes, tem salvado um número incontável de vidas mundo afora. O Brasil está, ainda, engatinhando na virtuosa política de salvar vidas. O Estatuto do Desarmamento foi um excelente passo nessa evolução.

 

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES

IESP/UERJ

 

Versão sem gráficos publicada no Correio Braziliense

Salvando Vidas

SALVANDO VIDAS

 

Quais os efeitos do Estatuto do Desarmamento? Afinal, as mortes por armas de fogo aumentaram, diminuíram ou não mudaram com o Estatuto?  

O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) provocou um debate que se prolonga até hoje; o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, também. No Brasil, como nos Estados Unidos e outros países, um dos pontos mais discutidos e menos demonstrados do debate era o dos efeitos da legislação de controle das armas.

Infelizmente, essa discussão está repleta de afirmações gratuitas. Para chegar a qualquer conclusão válida, precisamos de uma comparação. Comparar o quê? Como era antes do Estatuto e como ficou depois dele.

Para fazer essa avaliação, precisamos de começar no início. Examinando os melhores dados que temos, a que conclusões chegamos?

1 – A primeira, que ressalta aos olhos, é a de que matamos um grande número de brasileiros com armas de fogo – mais de oitocentos mil, de 1979 a 2010. 806.650, para sermos exatos. Equivale a exterminar toda a população de uma cidade como Natal ou Teresina. Ou vaporizar as cidades de Caxias do Sul, Canoas e Alegrete, somadas. Ou a matar toda a população de São Leopoldo cada cinco anos e poucos meses.

2 – Por que começar em 1979? Porque foi o primeiro ano para o qual foram compiladas estatísticas nacionais. As estatísticas começam em 1979.

3 – Por que terminar em 2010? Porque foi o último ano para o qual as estatísticas estão completas. As de 2011 estão incompletas e o ano de 2012 ainda não terminou.

4 – Qual foi a tendência durante esse período como um todo, que vai de 1979 até 2010? Ao crescimento, com algumas variações e mudanças importantes. O número de mortes aumentou 1.152 por ano, a partir de 6.206.

5 – Por que a partir de 6.206? Porque as estatísticas começaram em 1979, mas as mortes vieram de muito antes. A interseção é 6.206. O ajuste entre essa previsão e a realidade foi quase exato. Usando essa fórmula chegaríamos à estimativa de que em 1988 haveria 17.136 mortes; a cifra real foi 16.573, 563 a menos do que o previsto. Os dados do período 1979 a 2010 permitem explicar 97% da variância, errando em apenas 3%. As mortes violentas por projéteis de armas de fogo (PAFs) são um fenômeno estável e previsível.

O aumento, não obstante, era na direção daquilo em que se transformou: uma catástrofe do quotidiano que, no final do período, estava matando perto de quarenta mil brasileiros TODOS os anos.

6 – Estável não significa imutável. Houve alguma modificação nesse ritmo da morte? Houve duas: o número de mortes empinou, piorou, a partir de 1999. Em poucos anos, o número anual de mortes aumentou em oito mil!

7 – Houve alguma melhoria? Houve. Esse aumento e os altos níveis de violência conscientizaram o país e sua elite política de que era preciso mudar. Em 2003 foi promulgado O Estatuto do Desarmamento. As cifras da morte baixaram a partir daí, cresceram devagar.

8 – Como calcular o efeito do Estatuto? Comecemos mostrando como NÃO calcular o efeito. Se escolhermos como base um ano ou período particularmente baixo estaremos viciando o resultado, aumentando artificialmente a tendência a ver aumentos no número de mortes; se fizermos o contrário, escolhendo como base  um ano ou período com muitas mortes introduziremos o viés oposto. A fonte de dados com melhor cobertura, a mais usada e a mais testada sobre mortes no Brasil é o Sistema de Informações sobre Mortalidade, o “SIM”, elaborado anualmente pelo Ministério da Saúde. Até 1995 o SIM usava uma classificação chamada de CID 9 mas, a partir daquele ano, a Organização Mundial da Saúde, OMS, passou a usar o código chamado de CID 10. O CID 10 é um pouco mais detalhado e apresenta algumas diferenças em relação ao CID 9. Algumas análises, preocupadas com a exatidão, separam os dois períodos. Durante este período, houve, também, uma campanha que estimulou a população a entregar as armas que estavam sob sua guarda. Em 2004 o governo federal lançou a primeira Campanha Nacional do Desarmamento, que, em menos de dois anos, recolheu mais de 450 mil armas de fogo.

9 – Como medir os efeitos do Estatuto e das medidas associadas com ele?

Precisamos de um “antes” e de um “depois”. Tomando por base todos os anos do CID 10, vemos que morreram por PAF (projéteis de armas de fogo) 26.481 brasileiros em 1996; 27.753 em 1997; 30.211 em 1998; 31,198 em 1999; 34.985 em 2000; 37.122 em 2001 e 37.979 em 2002, ano anterior ao Estatuto. As mortes por PAF aumentaram em mais de duas mil por ano (2.072) até 2002, inclusive. Esse foi um período de crescimento acelerado do número de mortes. Sem modificações como o Estatuto, qual a previsão que poderia ser feita para os anos posteriores ao Estatuto, seguindo a progressão anterior a ele? Seriam 42.123, em 2004;44.195;46.267;48.339;50.411;52.483;54.555,de 2005 a 2010, respectivamente. Devido ao crescimento observado antes do Estatuto, mais de 200 mil brasileiros seriam mortos pelas armas de fogo.


10 – E com o Estatuto? O crescimento observado baixou dramaticamente, de 2.072 para 203 por ano, salvando mais de mil e oitocentas vidas por ano!

A prevenção de acidentes, quando feita por pessoas muito bem treinadas e competentes, tem salvado um número incontável de vidas mundo afora. O Brasil está, ainda, engatinhando na virtuosa política de salvar vidas. O Estatuto do Desarmamento foi um excelente passo nessa evolução.

 

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES

IESP/UERJ

 

Versão sem gráficos publicada no Correio Braziliense

Eleições Americanas: ganha quem perde?

 

Eleições Americanas: ganha quem perde? 

Até o momento, as eleições presidenciais americanas podem, mais uma vez, mostrar que o candidato mais votado no voto popular não será o eleito.

Os dois candidatos estão muito próximos no voto popular, mas Obama tem vantagem no Colégio Eleitoral. A média dos resultados de dez pesquisas feitas a partir do dia 17 até o dia 29 mostram Romney com uma vantagem de menos de 1% no voto direto. 

Não obstante, o Presidente não é definido pelo voto direto e sim pelo Colégio Eleitoral. Percentualmente, os resultados do Colégio Eleitoral raramente equivalem aos da eleição direta.

Por quê?

Porque o Colégio Eleitoral não é proporcional.

Vamos entender o Colégio Eleitoral: cada estado tem direito a um número de votos, que é aproximadamente proporcional à população e é reajustado a cada dez anos. A população da Califórnia aumentou nas últimas décadas e o número de votos eleitorais aumentou junto; a população de Nova Iorque diminuiu no mesmo período e o estado também perdeu votos no Colégio Eleitoral. Nova Iorque já foi o estado com mais votos; hoje é a Califórnia. Os americanos não gostam de aumentar o tamanho do Colégio Eleitoral que é o mesmo há algum tempo: 538 votos. Para que um estado ganhe um voto a em uma eleição é necessário que outro estado perca um voto na mesma eleição. No Colégio Eleitoral ganha quem tiver maioria simples: metade mais um, ou 270 votos.

Porém, se, por um lado, o número de eleitores de um estado depende da população do mesmo, pelo outro, ela passa pela representação do estado na Câmara dos Deputados (Congress), que depende da população, e no Senado, que não depende, pois são sempre dois para cada estado. Ao assignar dois senadores para cada estado, independentemente da sua população, o sistema favorece os estados com menos população e pune os mais populosos. O mesmo acontece no Brasil, onde um alto número mínimo de deputados por estado e um baixo número máximo de deputados por estado introduzem uma distorção adicional.

De acordo com a Real Clear Politics, Obama tem maioria confortável nas pesquisas em alguns estados: Califórnia (55), Delaware (3), District of Columbia (3), Hawaii (4), Illinois (20), Maryland (10),Massachusetts (11), New York (29), Rhode Island (4)   e Vermont (3). Um total de 142.

Já Romney tem maioria confortável num número maior de estados, porém, menos populosos, que pesam menos: Alabama (9), Alaska (3), Arkansas (6), Idaho (4), Kansas (6), Kentucky (8), Louisiana (8), Mississippi (6), Nebraska (4)  North Dakota (3), Oklahoma (7)   Tennessee (11), Texas (38)  Utah (6), West Virginia (5) e Wyoming (3), totalizando 127 votos.

    Para onde vão os votos de um estado e em que proporção? Todos os votos vão para o ganhador, nenhum para o perdedor. Esse sistema é chamado de “winner takes all”. As eleições majoritárias no Brasil também são assim: se um candidato recebe 40% dos votos válidos no segundo turno, ele ou ela não recebe 40% do governo federal. O outro candidato, que recebeu a maioria dos votos, leva a Presidência da República inteira. É o que acontece com as eleições presidenciais americanas. Quem ganha num estado leva todos os votos do estado no Colégio Eleitoral e, claro, quem ganha no Colégio Eleitoral leva a Presidência inteira. Há duas exceções a essa regra: Maine e Nebraska podem dividir seus votos eleitorais. Na eleição atual, Obama conta com 53% dos votos eleitorais que parecem estar decididos.

Os analistas também incluem outras categorias de acordo com as pesquisas eleitorais. Uma delas é a que afirma que “provavelmente” ganhará esse ou aquele candidato. E quais são os estados em que “provavelmente” Obama vencerá? São Connecticut (7), Maine (3), New Jersey (14), New Mexico (5) e Washington (12), totalizando 41 votos nesses cinco estados. Já os seis estados em que Romney “provavelmente” vencerá somam 50 votos. Nesses tipos de estados, os“provavelmente”, Romney reduziria a vantagem de Obama de 15 votos para seis.

Outro tipo de estado é o que demonstra uma leve tendência para um ou outro candidato. Os analistas americanos usam a expressão “leaning” para caracterizar esses estados. Significa uma pequena maioria que torna qualquer prognóstico arriscado. São 18 votos para Obama e 14 para Romney.

Esses cômputos colocam Obama com nove votos na frente. E os demais? Ainda há 146 votos onde ou há empate ou há empate técnico: a diferença fica dentro da margem de erro. As pesquisas mostram que, em dois desses onze estados os candidatos estão rigorosamente empatados; em sete, Obama tem ligeiríssima vantagem e em dois a vantagem, também mínima, é de Romney. Um detalhe importante é que Obama ganhou nesses onze estados em 2008.

Uma cadeia de informações, a ABC, produz dados semelhantes: Obama teria 247 votos eleitorais ou sólidos ou “leaning”, 56 a mais do que Romney.

Dados ainda mais recentes, do Huffpost, dão 281 votos no Colégio Eleitoral a Obama, 191 a Romney, e 66 com diferença mínima. São necessários 270 votos para vencer.

Uma curiosidade: os membros do Colégio Eleitoral são nomeados pelo vencedor em cada estado e há um juramento de que votarão com quem os escolheu, mas não há nada na Constituição que os proíba de votar no outro…

E se empatar? A Câmara dos Deputados decide. Só aconteceu duas vezes: Thomas Jefferson, em 1801, e John Quincy Adams, em 1825 foram eleitos pela Câmara dos Deputados.

Não há dúvida de que essa eleição será muito mais difícil do que a de 2008. Numa eleição como essa, apertada, a participação eleitoral conta, o que talvez prejudique Obama. Até condições climáticas podem ser importantes. Um dos grupos que tem apoiado os democratas, os hispânicos, proporcionalmente são os que menos votam.

Há décadas que as pesquisas revelam que a população americana gostaria de eleger seu Presidente através do voto direto, mas, lá como aqui, não é fácil mudar dispositivos constitucionais.   Nas eleições muito apertadas, o risco de que o vencedor ganhe, mas não leve, aumenta. Não resisto à tentação de informar que sublinhei isso há quase trinta anos em Colégio Eleitoral, Convenções Partidárias e Eleições Diretas (Vozes: 1984, p. 93, nota 2. Quase vinte anos depois essa previsão se concretizou com a triste vitória de Bush sobre Al Gore. (Desculpem, mas eu não podia perder essa chance….)

Há um risco nada desprezível de que isso volte a acontecer. Ironicamente, desta vez favorecendo o candidato democrata.

 

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES    IESP/UERJ

Descrição: https://mail.google.com/mail/u/0/images/cleardot.gif

Publicado hoje, 4/11/2012 no Correio Braziliense

 

Eleições Americanas: ganha quem perde?

 

Eleições Americanas: ganha quem perde? 

Até o momento, as eleições presidenciais americanas podem, mais uma vez, mostrar que o candidato mais votado no voto popular não será o eleito.

Os dois candidatos estão muito próximos no voto popular, mas Obama tem vantagem no Colégio Eleitoral. A média dos resultados de dez pesquisas feitas a partir do dia 17 até o dia 29 mostram Romney com uma vantagem de menos de 1% no voto direto. 

Não obstante, o Presidente não é definido pelo voto direto e sim pelo Colégio Eleitoral. Percentualmente, os resultados do Colégio Eleitoral raramente equivalem aos da eleição direta.

Por quê?

Porque o Colégio Eleitoral não é proporcional.

Vamos entender o Colégio Eleitoral: cada estado tem direito a um número de votos, que é aproximadamente proporcional à população e é reajustado a cada dez anos. A população da Califórnia aumentou nas últimas décadas e o número de votos eleitorais aumentou junto; a população de Nova Iorque diminuiu no mesmo período e o estado também perdeu votos no Colégio Eleitoral. Nova Iorque já foi o estado com mais votos; hoje é a Califórnia. Os americanos não gostam de aumentar o tamanho do Colégio Eleitoral que é o mesmo há algum tempo: 538 votos. Para que um estado ganhe um voto a em uma eleição é necessário que outro estado perca um voto na mesma eleição. No Colégio Eleitoral ganha quem tiver maioria simples: metade mais um, ou 270 votos.

Porém, se, por um lado, o número de eleitores de um estado depende da população do mesmo, pelo outro, ela passa pela representação do estado na Câmara dos Deputados (Congress), que depende da população, e no Senado, que não depende, pois são sempre dois para cada estado. Ao assignar dois senadores para cada estado, independentemente da sua população, o sistema favorece os estados com menos população e pune os mais populosos. O mesmo acontece no Brasil, onde um alto número mínimo de deputados por estado e um baixo número máximo de deputados por estado introduzem uma distorção adicional.

De acordo com a Real Clear Politics, Obama tem maioria confortável nas pesquisas em alguns estados: Califórnia (55), Delaware (3), District of Columbia (3), Hawaii (4), Illinois (20), Maryland (10),Massachusetts (11), New York (29), Rhode Island (4)   e Vermont (3). Um total de 142.

Já Romney tem maioria confortável num número maior de estados, porém, menos populosos, que pesam menos: Alabama (9), Alaska (3), Arkansas (6), Idaho (4), Kansas (6), Kentucky (8), Louisiana (8), Mississippi (6), Nebraska (4)  North Dakota (3), Oklahoma (7)   Tennessee (11), Texas (38)  Utah (6), West Virginia (5) e Wyoming (3), totalizando 127 votos.

    Para onde vão os votos de um estado e em que proporção? Todos os votos vão para o ganhador, nenhum para o perdedor. Esse sistema é chamado de “winner takes all”. As eleições majoritárias no Brasil também são assim: se um candidato recebe 40% dos votos válidos no segundo turno, ele ou ela não recebe 40% do governo federal. O outro candidato, que recebeu a maioria dos votos, leva a Presidência da República inteira. É o que acontece com as eleições presidenciais americanas. Quem ganha num estado leva todos os votos do estado no Colégio Eleitoral e, claro, quem ganha no Colégio Eleitoral leva a Presidência inteira. Há duas exceções a essa regra: Maine e Nebraska podem dividir seus votos eleitorais. Na eleição atual, Obama conta com 53% dos votos eleitorais que parecem estar decididos.

Os analistas também incluem outras categorias de acordo com as pesquisas eleitorais. Uma delas é a que afirma que “provavelmente” ganhará esse ou aquele candidato. E quais são os estados em que “provavelmente” Obama vencerá? São Connecticut (7), Maine (3), New Jersey (14), New Mexico (5) e Washington (12), totalizando 41 votos nesses cinco estados. Já os seis estados em que Romney “provavelmente” vencerá somam 50 votos. Nesses tipos de estados, os“provavelmente”, Romney reduziria a vantagem de Obama de 15 votos para seis.

Outro tipo de estado é o que demonstra uma leve tendência para um ou outro candidato. Os analistas americanos usam a expressão “leaning” para caracterizar esses estados. Significa uma pequena maioria que torna qualquer prognóstico arriscado. São 18 votos para Obama e 14 para Romney.

Esses cômputos colocam Obama com nove votos na frente. E os demais? Ainda há 146 votos onde ou há empate ou há empate técnico: a diferença fica dentro da margem de erro. As pesquisas mostram que, em dois desses onze estados os candidatos estão rigorosamente empatados; em sete, Obama tem ligeiríssima vantagem e em dois a vantagem, também mínima, é de Romney. Um detalhe importante é que Obama ganhou nesses onze estados em 2008.

Uma cadeia de informações, a ABC, produz dados semelhantes: Obama teria 247 votos eleitorais ou sólidos ou “leaning”, 56 a mais do que Romney.

Dados ainda mais recentes, do Huffpost, dão 281 votos no Colégio Eleitoral a Obama, 191 a Romney, e 66 com diferença mínima. São necessários 270 votos para vencer.

Uma curiosidade: os membros do Colégio Eleitoral são nomeados pelo vencedor em cada estado e há um juramento de que votarão com quem os escolheu, mas não há nada na Constituição que os proíba de votar no outro…

E se empatar? A Câmara dos Deputados decide. Só aconteceu duas vezes: Thomas Jefferson, em 1801, e John Quincy Adams, em 1825 foram eleitos pela Câmara dos Deputados.

Não há dúvida de que essa eleição será muito mais difícil do que a de 2008. Numa eleição como essa, apertada, a participação eleitoral conta, o que talvez prejudique Obama. Até condições climáticas podem ser importantes. Um dos grupos que tem apoiado os democratas, os hispânicos, proporcionalmente são os que menos votam.

Há décadas que as pesquisas revelam que a população americana gostaria de eleger seu Presidente através do voto direto, mas, lá como aqui, não é fácil mudar dispositivos constitucionais.   Nas eleições muito apertadas, o risco de que o vencedor ganhe, mas não leve, aumenta. Não resisto à tentação de informar que sublinhei isso há quase trinta anos em Colégio Eleitoral, Convenções Partidárias e Eleições Diretas (Vozes: 1984, p. 93, nota 2. Quase vinte anos depois essa previsão se concretizou com a triste vitória de Bush sobre Al Gore. (Desculpem, mas eu não podia perder essa chance….)

Há um risco nada desprezível de que isso volte a acontecer. Ironicamente, desta vez favorecendo o candidato democrata.

 

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES    IESP/UERJ

Descrição: https://mail.google.com/mail/u/0/images/cleardot.gif

Publicado hoje, 4/11/2012 no Correio Braziliense

 

BRASIL, UM ESTADO BABÁ?

No país mais poderoso e rico do mundo, os Estados Unidos, um cidadão morre a cada vinte minutos porque não tem seguro de saúde. O The Urban Institute usou dados ultrapassados, de 2008, para calcular que cerca de 27 mil americanos entre 25 e 65 morrem prematuramente por que não têm seguro de saúde. Esses dados e outros muito piores levaram Bill Clinton e Hillary Clinton a propor um sistema nacional de seguro de saúde, que foi rapidamente bloqueado no Legislativo pelos republicanos. Dezenove anos mais tarde, Obama conseguiu aprovar um sistema que transfere quase todo o ônus do seguro para os indivíduos, obrigando-os a fazer um seguro. Inclui outras medidas que são padrão há muitas décadas nos países mais desenvolvidos, rejeitados pela direita americana, que não quer saber de gastos públicos. São vistos como absurdos, dada sua concepção do mundo.

Como pensam os republicanos? Mitt Romney chama as medidas de proteção da cidadania de “o estado babá”, the nanny state.

E as 27 mil mortes prematuras? Não esqueçam que são anuais, que cada ano morrem mais  milhares de pessoas, de concidadãos por falta de seguro médico. Mas, segundo o candidato republicano, que voltaria no tempo e anularia a reforma de Obama, é um preço alto e trágico, mas necessário para que os americanos assumam a responsabilidade por suas próprias vidas, para que paguem individualmente por seus erros e omissões.

Antevejo uma ideologia distorcida que formaria a base de uma seleção na qual os incautos, os desprevenidos e os simplesmente desfavorecidos pela sorte (nasceram pobres, tiveram que deixar a escola cedo etc.) morreriam cedo e se reproduziriam menos. No fundo, um conceito nazista, com moldura cultual. A morte de milhares e milhares cada ano teria a virtude de fazer com que muitos mais passem a assumir responsabilidade pelas suas vidas. É o que pensa a direita americana.

Não é a primeira vez em que a crueldade social é descrita como virtude. Acreditem, mas muitos direitistas e conservadores só conseguem ver nesse genocídio a inegável transferência dos custos da responsabilidade para outros americanos, que pagam esses gastos através dos impostos. Como entre os beneficiários há maioria de negros e hispânicos e entre os que pagam o preço é mais alta a proporção de brancos, a questão rapidamente assumiu contornos raciais.

Entendamos que não advogo um “estado babá”. Sempre que volto dos Estados Unidos sou surpreendido pela pasmaceira da população brasileira, inerte, sem iniciativa, sempre à espera de que o estado resolva seus problemas. Mas entre a crueldade do estado ausente, proposto por Romney para reverter o “estado babá”, e a sociedade pasmaceira, há muito espaço. Há muita coisa no meio. Fico chocado com a insensibilidade de alguns conservadores que consideram a morte prematura de 27 mil compatriotas um preço pequeno “para evitar o socialismo”, termo que, nos Estados Unidos tem profundas conotações negativas. São noções e conceitos antigos. Não mudaram: já estavam lá. Houve e há resistência ao imposto de renda, criado em 1913 parcialmente em preparação para a guerra que se aproximava e que, posteriormente, foi oficialmente incorporado na Constituição pela 16ª Emenda.

Fico chocado, também, ao constatar que essa mesma ideologia conservadora não se indigne com o fato do país gastar, em 2011, 690 bilhões de dólares (dólares constantes de 2010), quase seis vezes o que gasta a segunda maior gastadora com os militares, a China, com 121 bilhões de dólares em 2010 (também em dólares constantes de 2010).

E nós, brasileiros? Onde ficamos? Não podemos deixar de considerar que há necessidades urgentes que não são preenchidas devido à impossibilidade de que os interessados o façam, nem podemos deixar de considerar que o estado brasileiro é muito caro e oferece muito pouco, nem podemos deixar de considerar que nossa corrupção é endêmica e grande, abocanhando uma parcela significativa dos gastos públicos. Quantos brasileiros seriam salvos se metade do valor da corrupção fosse investido na saúde pública, área em estado de calamidade há muitas décadas?

Entre os extremos do “estado babá” e da crueldade corretiva das irresponsabilidades individuais e sociais há muito espaço, há alternativas, há combinações novas e criativas. Temos que estudá-las, pesquisá-las.

Para tal, precisamos de dados corretos, analisá-los e meditar, meditar e meditar porque por ação (e mais por omissão) fomos nós que construímos o estado e a sociedade que estão aí. Pensemos em nossos filhos e netos, brasileirinhos e brasileirinhas, que vão herdar as consequências dos nossos erros.

 GLÁUCIO ARY DILLON SOARES IESP-UERJ

Publicado, com alterações, no Correio Braziliense

 

BRASIL, UM ESTADO BABÁ?

No país mais poderoso e rico do mundo, os Estados Unidos, um cidadão morre a cada vinte minutos porque não tem seguro de saúde. O The Urban Institute usou dados ultrapassados, de 2008, para calcular que cerca de 27 mil americanos entre 25 e 65 morrem prematuramente por que não têm seguro de saúde. Esses dados e outros muito piores levaram Bill Clinton e Hillary Clinton a propor um sistema nacional de seguro de saúde, que foi rapidamente bloqueado no Legislativo pelos republicanos. Dezenove anos mais tarde, Obama conseguiu aprovar um sistema que transfere quase todo o ônus do seguro para os indivíduos, obrigando-os a fazer um seguro. Inclui outras medidas que são padrão há muitas décadas nos países mais desenvolvidos, rejeitados pela direita americana, que não quer saber de gastos públicos. São vistos como absurdos, dada sua concepção do mundo.

Como pensam os republicanos? Mitt Romney chama as medidas de proteção da cidadania de “o estado babá”, the nanny state.

E as 27 mil mortes prematuras? Não esqueçam que são anuais, que cada ano morrem mais  milhares de pessoas, de concidadãos por falta de seguro médico. Mas, segundo o candidato republicano, que voltaria no tempo e anularia a reforma de Obama, é um preço alto e trágico, mas necessário para que os americanos assumam a responsabilidade por suas próprias vidas, para que paguem individualmente por seus erros e omissões.

Antevejo uma ideologia distorcida que formaria a base de uma seleção na qual os incautos, os desprevenidos e os simplesmente desfavorecidos pela sorte (nasceram pobres, tiveram que deixar a escola cedo etc.) morreriam cedo e se reproduziriam menos. No fundo, um conceito nazista, com moldura cultual. A morte de milhares e milhares cada ano teria a virtude de fazer com que muitos mais passem a assumir responsabilidade pelas suas vidas. É o que pensa a direita americana.

Não é a primeira vez em que a crueldade social é descrita como virtude. Acreditem, mas muitos direitistas e conservadores só conseguem ver nesse genocídio a inegável transferência dos custos da responsabilidade para outros americanos, que pagam esses gastos através dos impostos. Como entre os beneficiários há maioria de negros e hispânicos e entre os que pagam o preço é mais alta a proporção de brancos, a questão rapidamente assumiu contornos raciais.

Entendamos que não advogo um “estado babá”. Sempre que volto dos Estados Unidos sou surpreendido pela pasmaceira da população brasileira, inerte, sem iniciativa, sempre à espera de que o estado resolva seus problemas. Mas entre a crueldade do estado ausente, proposto por Romney para reverter o “estado babá”, e a sociedade pasmaceira, há muito espaço. Há muita coisa no meio. Fico chocado com a insensibilidade de alguns conservadores que consideram a morte prematura de 27 mil compatriotas um preço pequeno “para evitar o socialismo”, termo que, nos Estados Unidos tem profundas conotações negativas. São noções e conceitos antigos. Não mudaram: já estavam lá. Houve e há resistência ao imposto de renda, criado em 1913 parcialmente em preparação para a guerra que se aproximava e que, posteriormente, foi oficialmente incorporado na Constituição pela 16ª Emenda.

Fico chocado, também, ao constatar que essa mesma ideologia conservadora não se indigne com o fato do país gastar, em 2011, 690 bilhões de dólares (dólares constantes de 2010), quase seis vezes o que gasta a segunda maior gastadora com os militares, a China, com 121 bilhões de dólares em 2010 (também em dólares constantes de 2010).

E nós, brasileiros? Onde ficamos? Não podemos deixar de considerar que há necessidades urgentes que não são preenchidas devido à impossibilidade de que os interessados o façam, nem podemos deixar de considerar que o estado brasileiro é muito caro e oferece muito pouco, nem podemos deixar de considerar que nossa corrupção é endêmica e grande, abocanhando uma parcela significativa dos gastos públicos. Quantos brasileiros seriam salvos se metade do valor da corrupção fosse investido na saúde pública, área em estado de calamidade há muitas décadas?

Entre os extremos do “estado babá” e da crueldade corretiva das irresponsabilidades individuais e sociais há muito espaço, há alternativas, há combinações novas e criativas. Temos que estudá-las, pesquisá-las.

Para tal, precisamos de dados corretos, analisá-los e meditar, meditar e meditar porque por ação (e mais por omissão) fomos nós que construímos o estado e a sociedade que estão aí. Pensemos em nossos filhos e netos, brasileirinhos e brasileirinhas, que vão herdar as consequências dos nossos erros.

 GLÁUCIO ARY DILLON SOARES IESP-UERJ

Publicado, com alterações, no Correio Braziliense

 

Disque Denúncia recebe informações importantes

Recebi do Zeca Borges:

 

1.  “Através dessas informações que nós conseguimos obter êxito nas nossas ações. Espero que todos tenham a consciência e continuem ajudando. Liguem para o Disque Denúncia e denunciem. A polícia vai lá, vai fazer o serviço”, disse o tenente da PM, Aislan Menezes, após prisão do suspeito de ter baleado o dono da banca de jornal em assalto em Niterói.

2.  Uma equipe do 23º BPM prendeu suspeito de assaltar a casa do vice-governador Pezão, neste domingo, com informação recebida do Disque-Denúncia.

 

Gláucio Soares                                                IESP-UERJ

Os blogs em 2011

Há muitas diferenças entre os blogs.

Os mais exitosos foram sobre o câncer da próstasta: juntos. cerca de 700 000 acessos; há vários que não decolararam, dois que foram “invadidos” pelos anúncios pornográficos e tive que bloquear. Os dois sobre suicídios são quase constates. Juntos. perto de cem mil. Espero que tenham ajudado muita gente e salvo algumas vídas. É informativo, com ênfase na prevenção. Doi quando leio cartas solicitando instruções sobre como suicidar-se. Os dois blogs criados sobre os derrames, resposta ao sinal de alerta que me foi enviado pelo Padre Airton Freire, servo, tinham um público não trabalhado e cerca de 64 mil páginas visitadas; os dois blogs sobre Conjuntura Criminal começaram bem, mas decaíram, em grande parte porque diminuí o noticiário elaborado que, por sua vez, foi uma decisão baseada no crescimento de bons blogs na área. Estou repensando-os, possivelmente como blogs dirigidos mais para uma elite intelectual e profissional. Menos leitores, mas leitores influentes. Alguns não vingaram e já os terminei; outros andam em nível mais baixo. Tenho que optar. Os blogs não são opinativos, mas implicam em uma varredura das publicações qualificadas sobre um tema, escrever o blog com gráficos que tenho que criar e introduzir (que requerem muito trabalho) isso tudo numa linguagem accessível. 

Em síntese, é muito trabalho. E as dificuldades são grandes. Algumas publicações são pagas e as da área médica são caras; vivo envenenando meu computador de alguns anos, mas é claro que preciso de um mini-servidor. Os mini-servidores não são a entidade cara e assustadora que muitos pensam. Ando namorando um suéco, planejado para rodar em Linux, chamado de Excito B3 que, com wi-fi vende por 365 euros. Outro problemas é como trazê-lo…

Em exatamente um mês terei minha consulta semestral no Sloan Kettering. Aos 77 tenho que viajar na classe executiva, onde viaja o pessoal que tem grana… Ou o tratamento continua como está com seus moderados efeitos colaterais, ou muda para outro, antihormonal, com efeitos bem piores, o que iniciaria tratamentos de menor eficácia (menor extensão da sobrevivência) e efeitos coletarais muito piores.

e sou pai de cinco, avô de cinco, marido de uma (é verdade), pesquiso, oriento, pesquiso, trabalho, pewsquiso, dou aulas, pesquiso, escrevo artigos científicos, pesquiso… e ainda não resolvi um só problema filosófico relevante. Mas o quase milhão e meio de leitores e o sonho de estar ajudando milhares ou centenas de milhares, nem que seja um pouco, faz com que tudo valha a pena. 

Um abraço a todos e, parodiando o padre Aírton Freire, Feliz 2012, 2013, 2020, 2040, 2100… Se festejaram o Natal, meditem, ainda que retroativamente, sobre o aniversariante.

 

Os dados seguem abaixo. São totais cumulativos, a partir do momento em que comecei a blogá-los.

GLÁUCIO SOARES                              IESP/UERJ

 

 

 Apply Changes
  Today Yesterday This Month Total  
2 20 33 56,372 Delete
0 0 0 985 Delete
0 0 0 0 Delete
2 35 49 144,099 Delete
26 401 640 350,670 Delete
36 192 311 345,930 Delete
26 400 637 319,771 Delete
6 48 78 20,850 Delete
5 45 62 43,533 Delete
0 0 0 23 Delete
0 17 36 74,641 Delete
7 66 115 90,466 Delete
0 4 18 4,260 Delete
  110 1,228 1,979 1,4

Os crimes crescem no Nordeste e no Norte

Estados da região têm mais de 30 assassinatos/100 mil habitantes e taxas recordes de outros crimes, segundo Anuário da Segurança

O Estado de S.Paulo

 

O aumento da renda e o desenvolvimento da economia nordestina na última década vieram acompanhados do aumento generalizado da violência na região. Além de liderar o ranking dos assassinatos, Estados do Nordeste passaram a ocupar a dianteira também nos casos de roubos. Os resultados estão no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem, feito em parceria com o Ministério da Justiça com base nas informações de 2010 das Secretarias Estaduais de Segurança.

Dos dez Estados brasileiros com taxas de homicídio acima de 30 casos por 100 mil habitantes, seis estão no Nordeste. Nos três primeiros lugares estão Alagoas (68,2), Paraíba (38,2) e Pernambuco (36,4). A quinta posição fica com Sergipe (33,8), a sétima com a Bahia (31,7) e a nona com o Ceará (31,2).

“Os jovens são as maiores vítimas dos homicídios porque entram cada vez mais cedo no mundo das drogas, não têm dinheiro para sustentar o vício e pagam com a vida”, afirma o secretário estadual de Defesa Social de Alagoas, coronel Dário César. Para ele, a violência em Alagoas é reflexo do avanço do consumo e da venda de drogas no Estado.

Em relação aos crimes contra o patrimônio, pela primeira vez a Bahia registrou mais roubos a instituições financeiras do que São Paulo, centro econômico do País. Foram 249 casos em 2010, aumento de 186% em relação ao ano anterior. Paraíba, com 45 casos, fica em 6.º lugar, empatado com Rio Grande do Sul e Minas.

Nos casos de roubos em geral, outra surpresa. Considerando casos por 100 mil habitantes, Sergipe (988) ocupa a segunda posição, atrás apenas do Distrito Federal (1.032). “É roubo de celular, de carteira, um assalto a ônibus em que o bandido leva R$ 30, por exemplo”, afirma Everton dos Santos, coordenador do Centro de Operações Policiais Especiais da Polícia Civil de Sergipe.

Para ele, a maioria dessas ocorrências está relacionada ao tráfico de drogas, principalmente o crack. Ele acredita que com a extinção das “bocas de fumo” e com uma melhor finalidade do Estatuto do Desarmamento os roubos tendem a diminuir em todo o País. Para o professor José Maria Nóbrega, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, a migração de criminosos do Sudeste é uma das hipóteses. “O endurecimento das políticas contra o crime no Sudeste incentivaram a vinda de integrantes de quadrilhas para cá, onde existe uma frágil estrutura de segurança pública.”

BRUNO PAES MANSO, RICARDO RODRIGUES E ANTÔNIO CARLOS GARCIA, ESPECIAL PARA O ESTADO

 

O José Maria Nóbrega é um dos poucos criminólogos que estudam a explosão de crimes violentos no Nordeste. O Estatuto do Desarmamento foi sabotado quando tornaram a posse ilegal de armas de fogo um crime afiançável. Os criminosos pagam a fiança e será difícil localizá-los, prendê-los, julgá-los, condená-los e colocá-los onde devem estar, na prisão.

Os dados sobre crime são pouco confiáveis. Esse conhecimento nos chegou através das pesquisas de vitimização, em resposta à pergunta sobre o que fez o entrevistado quando foi vítima de um crime. Na sua quase totalidade, alguns crimes não são levados ao conhecimento das autoridades. Até hoje, os pesquisadores mais conscientes dessa séria limitação evitam trabalhar com dados referentes a crimes com alta percentagem de sub-enumeração, limitando-se aos homicídios e as furtos e roubos de veículos.

GLÁUCIO SOARES    IESP-UERJ

Os crimes crescem no Nordeste e no Norte

Estados da região têm mais de 30 assassinatos/100 mil habitantes e taxas recordes de outros crimes, segundo Anuário da Segurança

O Estado de S.Paulo

 

O aumento da renda e o desenvolvimento da economia nordestina na última década vieram acompanhados do aumento generalizado da violência na região. Além de liderar o ranking dos assassinatos, Estados do Nordeste passaram a ocupar a dianteira também nos casos de roubos. Os resultados estão no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem, feito em parceria com o Ministério da Justiça com base nas informações de 2010 das Secretarias Estaduais de Segurança.

Dos dez Estados brasileiros com taxas de homicídio acima de 30 casos por 100 mil habitantes, seis estão no Nordeste. Nos três primeiros lugares estão Alagoas (68,2), Paraíba (38,2) e Pernambuco (36,4). A quinta posição fica com Sergipe (33,8), a sétima com a Bahia (31,7) e a nona com o Ceará (31,2).

“Os jovens são as maiores vítimas dos homicídios porque entram cada vez mais cedo no mundo das drogas, não têm dinheiro para sustentar o vício e pagam com a vida”, afirma o secretário estadual de Defesa Social de Alagoas, coronel Dário César. Para ele, a violência em Alagoas é reflexo do avanço do consumo e da venda de drogas no Estado.

Em relação aos crimes contra o patrimônio, pela primeira vez a Bahia registrou mais roubos a instituições financeiras do que São Paulo, centro econômico do País. Foram 249 casos em 2010, aumento de 186% em relação ao ano anterior. Paraíba, com 45 casos, fica em 6.º lugar, empatado com Rio Grande do Sul e Minas.

Nos casos de roubos em geral, outra surpresa. Considerando casos por 100 mil habitantes, Sergipe (988) ocupa a segunda posição, atrás apenas do Distrito Federal (1.032). “É roubo de celular, de carteira, um assalto a ônibus em que o bandido leva R$ 30, por exemplo”, afirma Everton dos Santos, coordenador do Centro de Operações Policiais Especiais da Polícia Civil de Sergipe.

Para ele, a maioria dessas ocorrências está relacionada ao tráfico de drogas, principalmente o crack. Ele acredita que com a extinção das “bocas de fumo” e com uma melhor finalidade do Estatuto do Desarmamento os roubos tendem a diminuir em todo o País. Para o professor José Maria Nóbrega, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, a migração de criminosos do Sudeste é uma das hipóteses. “O endurecimento das políticas contra o crime no Sudeste incentivaram a vinda de integrantes de quadrilhas para cá, onde existe uma frágil estrutura de segurança pública.”

BRUNO PAES MANSO, RICARDO RODRIGUES E ANTÔNIO CARLOS GARCIA, ESPECIAL PARA O ESTADO

 

O José Maria Nóbrega é um dos poucos criminólogos que estudam a explosão de crimes violentos no Nordeste. O Estatuto do Desarmamento foi sabotado quando tornaram a posse ilegal de armas de fogo um crime afiançável. Os criminosos pagam a fiança e será difícil localizá-los, prendê-los, julgá-los, condená-los e colocá-los onde devem estar, na prisão.

Os dados sobre crime são pouco confiáveis. Esse conhecimento nos chegou através das pesquisas de vitimização, em resposta à pergunta sobre o que fez o entrevistado quando foi vítima de um crime. Na sua quase totalidade, alguns crimes não são levados ao conhecimento das autoridades. Até hoje, os pesquisadores mais conscientes dessa séria limitação evitam trabalhar com dados referentes a crimes com alta percentagem de sub-enumeração, limitando-se aos homicídios e as furtos e roubos de veículos.

GLÁUCIO SOARES    IESP-UERJ